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    Marcos Augusto Gonçalves

    A troca de moscas

    14/04/2016 16h43

    Estamos assistindo a um agitado processo de troca de moscas no poder sob a liderança de um réu da Lava Jato que guarda propina em contas na Suíça e possui carros de luxo registrados em uma evangélica empresa chamada Jesus.com. A presença de Eduardo Cunha à frente do processo atesta a tibieza e a cumplicidade do nosso establishment e a completa desmoralização do Legislativo.

    O objetivo da movimentação, como se sabe, é levar à Presidência, a título de salvação e regeneração nacional, a figura opaca de Michel Temer, longevo mordomo dos poderosos, que se animou com a perspectiva de puxar o tapete da secretária tardo-brizolista de Lula, com quem se aliou há seis anos em chapa eleitoral.

    A troca é apoiada pela direita e pela extrema-direita social e empresarial. Conta com a simpatia de amplos setores da mídia e, ainda, com as esperanças de um grupo aparentemente bem-intencionado de new liberais, que acredita ser possível implantar um modelo laissez-faire moderno em aliança com um partido tradicionalmente corrupto e patrimonialista –o principal deles no país.

    De acordo com a última pesquisa Datafolha, 60% da população em idade de votar apoia o impeachment –o que é muito pouco. A proporção é inferior aos 2/3 de parlamentares necessários para afastar a presidente. Lembre-se que eram 75% os que apoiavam o afastamento de Collor em setembro de 1992.

    As chances dessa operação dar errado são notáveis. Em que pese uma possível euforia dos mercados nos dias subsequentes ao impedimento, o novo governo terá tarefas hercúleas e indigestas a cumprir.

    Se é certo que Dilma Rousseff perdeu uma chance de ouro de ser derrotada na eleição de 2014, a direita já jogou pela janela a rara oportunidade de dividir o ônus do ajuste fiscal com um governo de esquerda. Dilma, não esqueçamos, nomeou para a Fazenda um economista fiscalista e liberal ligado ao mundo das finanças. Será difícil a nova coalizão de moscas encontrar nome mais mercadista do que Joaquim Levy.

    O ajuste, como se sabe, foi proposto, mas sabotado pelo Congresso –inclusive com lances espetacularmente oportunistas como aquele estrelado por Aécio Neves, liderança suspeita e irresponsável do PSDB, que orientou a bancada a votar contra o fator previdenciário.

    Agora, porém, o ajuste terá de ser retomado. A conjuntura pós-impeachment talvez pareça mais favorável, mas poderá se revelar bem mais difícil. A deposição de Dilma recolocará em cena a divisão predileta do PT: "eles", os ricos malvados, impondo medidas draconianas ao povo; e "nós", os injustiçados e golpeados, sempre na defesa dos desfavorecidos.

    O PT, mesmo muito enfraquecido e atingido pelos escândalos de corrupção, não será mais governo e não precisará prestar contas de pedaladas e quetais. Estará livre para torpedear. E se não conseguirem que a Lava Jato prenda Lula (e esqueça a oposição), a perspectiva de uma nova vitória eleitoral petista em 2018 logo começará a ser precificada pelo mercado. E, então, acabou-se o que era doce.

    Dilma está certa ao dizer que não há ajuste fiscal sem aumento de impostos. Será engraçado ver o pato liberal da Fiesp apoiar a odiosa CPMF ou outra forma de taxação –que certamente não incidirá sobre os mais ricos. Aquelas pessoas contra impostos que foram à Paulista fazer selfies com a PM e a ave aquática inflável vão aceitar pagar mais tributos para ajudar Temer? Aliás, me pergunto o que a Fiesp e Paulo Skaf farão com aqueles patos na hora que o PMDB propuser o aumento de impostos. Cartas para a Redação.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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