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    Marcos Augusto Gonçalves

    É a política, queridos

    31/12/2017 02h00

    Parecem decepcionantes para os defensores do ideário liberal os resultados de pesquisas do Datafolha sobre privatizações e gratuidade do ensino universitário público. Nos dois casos, a maioria mostrou-se contrária à cartilha.

    A ideia de cobrar mensalidades em universidades estatais é reprovada por 57%, enquanto 70% rejeitam a transferência de ativos governamentais para o setor privado.

    A parcela menos expressiva que se opõe à cobrança em instituições como a USP sugere que talvez se tornem mais perceptíveis as distorções inerentes ao fato de famílias com posses terem condições de pagar boas escolas privadas para seus filhos e, a seguir, se verem livres de desembolsos quando eles chegam ao ensino superior público.

    Já no caso das privatizações, a rejeição é encorpada e indica forte desconfiança em relação à iniciativa privada. Eu não apertaria uma tecla para voltar aos tempos da Telesp e da Telerj —mas tampouco para defender os serviços prestados pelas companhias privadas na área de telefonia e internet. Ou pelos bancos.

    São incômodos que não costumam aparecer no discurso liberal sobre a eficiência do setor privado, porque olha-se apenas para a linha do resultado.

    Em escala maior, esse viés diz alguma coisa sobre a incompetência dos liberais brasileiros quando se trata de convencer e atrair maiorias para suas teses —ou seja, quando se trata de fazer política.

    Representantes de nosso liberalismo tropical parecem inclinados a trocar o esforço de liderança moral e conquista de corações e mentes pelo exercício de esgrimir com as planilhas que fecham a conta do Estado sem precisar atingir os privilegiados de sempre.

    Nessa linha, por exemplo, é sempre uma bobagem propor tributos sobre fortunas, cobrar dívidas de empresas com o INSS ou eliminar privilégios da casta política, uma vez que nada disso, por si, resolveria o desequilíbrio contábil do setor público.

    Não interessa que tais medidas possam angariar apoio da sociedade e funcionar como demonstração de que a conta precisa ser paga de maneira mais "fair", com a colaboração dos que detêm o poder.

    Prevalece a visão elitista e economicista, do tipo "papai sabe tudo", que prefere atalhos ao trabalho de disputar posições e apresentar projetos que despertem adesão social.

    Não espanta que a tentativa ora em curso de impor ao país o receituário econômico liberal vá aos trancos e barrancos, depois de ter depositado esperanças numa ponte de ocasião com um braço político patrimonialista, iliberal em sua essência, sufocado por evidências de corrupção e voltado de costas para o povo.

    marcos augusto gonçalves

    Foi editor da 'Ilustríssima'. É autor de 'Pós Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada' e de '1922 - A semana que Não Terminou'.

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