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    Marcos Caramuru de Paiva

    Consensos, competição, preços na China

    12/01/2013 04h00

    O tema foi tratado em editorial do "China Morning News": enquanto o custo das festas de casamento em Hong Kong aumentou 37% em 2012, a contribuição dos convidados permaneceu entre HK$ 500 e 1.000 (cerca de R$ 260) por pessoa. Não é correto, argumentou o jornal.

    Na China, os convidados a um casamento não dão presentes. Oferecem dinheiro, no envelope em que recebem o convite, para ajudar os noivos a custear a celebração. Há uma espécie de consenso quanto ao valor: o que devem dar os amigos mais íntimos, os menos chegados, os que vão à festa sós ou em casal.

    Aparentemente, a "tabela" necessita de reajuste. O "China Morning Post" tomou a si a tarefa de levantar o tema, mesmo com o risco de desagradar aos que têm salários baixos e muitos amigos, para quem HK$ 500 por casamento já é caro.

    A prática da contribuição "tabelada" é uma proteção, própria de uma sociedade em que buscar sobressair-se é mal visto e, ao mesmo tempo, ninguém quer ficar para trás.

    O curioso é observar como ela contrasta com o comportamento no mundo empresarial.

    A concorrência entre empresas chinesas é acirradíssima. O mercado é grande, ninguém pode supri-lo integralmente. E, como há uma tendência natural à cópia, quando um produto gera interesse, o número dos que investem para oferecê-lo multiplica-se com rapidez.

    Isso explica por que diversas cidades são especializadas: óculos em Shenzhen, Wenzhou e Danyang, porcelana em Jingdezhen, enfeites de toda ordem em Yiwu e assim por diante. Ou porque uma cidade como Xangai passa a ter, de uma hora para outra, um número excessivo de lojas de vinho.

    No extremo, avaliam os locais, a empresa destrói os concorrentes e se arrisca a quebrar junto para não perder a venda.

    A cooperação empresarial, por sua vez, é reduzida ou nula. Frequentemente, dentro de uma holding, diferentes unidades produzem o mesmo item e concorrem entre si no mercado interno e nas exportações. É o caso das estatais produtoras de máquinas e bens pesados, como trens e equipamentos para aeroportos.

    Quem já se engajou numa transação comercial na China viu que o preço envolve variáveis imperscrutáveis. Nos mercados tradicionais de rua, onde a barganha funciona, já se sabe de antemão que cada comprador desembolsa um montante diferente pelo mesmo item.

    A prática, no entanto, vai além das feirinhas urbanas. Há diversos mercados atacadistas no país. É comum compradores de fora os frequentarem à cata de alguma barganha para importar.

    Os atacadistas sabem quem é do ramo e precificam de acordo com o cliente, não com o produto que é vendido.

    Como, em geral, os artigos chineses ainda são relativamente baratos, os importadores saem satisfeitos. Mas quem entende a lógica pode obter melhor resultado.

    Só vai aqui um conselho: caso se torne amigo do vendedor e algum dia seja convidado para o casamento de sua filha, pergunte primeiro qual é a tabela local. Errar no montante que vai no envelope pode destruir a perspectiva de negócios futuros.

    marcos caramuru de paiva

    Escreveu até janeiro de 2015

    Diplomata, sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai.

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