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    Marcos Caramuru de Paiva

    Confiança: um bem escasso

    09/03/2013 04h00

    Neste mês de março, o Congresso do Povo nomeia o novo governo chinês. Muitos se perguntarão, no exterior, o que acontecerá com a política econômica. A resposta possível no momento ainda é vaga: as mudanças serão mais profundas do que as realizadas nos últimos anos, sem alterações radicais no curtíssimo prazo.

    Ansiedades externas à parte, como dizia Tip O'Neil, legendário porta-voz do Congresso americano, toda política é local. Assim, é lícito averiguar que expectativas nutre o cidadão moderno chinês quanto aos seus futuros líderes.

    Quem indagar a pessoas de classe média urbana como veem os temas da sociedade possivelmente acabará concluindo que a demanda latente é por maior confiança nos governantes.
    Desde que a política de abertura se iniciou, há 35 anos, o mais forte fator a gerar confiança na China foi o crescimento com baixa inflação.

    Continuará sendo. Não é de surpreender que, em seu primeiro dia, o Congresso do Povo tenha tratado do assunto: o crescimento previsto para 2013 é de 7,5%, a inflação projetada, 3,5% e o deficit fiscal, 2% do PIB. Ou seja, haverá espaço para estímulos governamentais se o crescimento faltar.

    Numa sociedade onde o crescimento é dado como certo e ninguém duvida que o governo fará tudo para gerar emprego, as pessoas começam a olhar os bens comuns, aqueles que a riqueza individual não pode comprar.

    De uma maneira geral, o cidadão chinês de classe média urbana orgulha-se de gastar com a educação do filho único, ajustou-se à saúde paga, sente-se seguro e acredita na polícia.

    Sua preocupação mais recente é com a poluição. Em Pequim, durante o mês de janeiro, apenas por cinco dias a poluição e o "fog" deram alívio aos residentes.

    Outro tema que incomoda é a corrupção. O Partido, aliás, tem falado muito dele. Outro, as opções de investimento. Todo chinês que tem salário ou renda poupa e busca ter retornos maiores de suas aplicações.

    Finalmente, o cidadão parece querer menos tributos e menos heterodoxia nas políticas. Eis um exemplo: as famílias recentemente têm feito mirabolâncias para circundar uma legislação que taxa em 20% o ganho de capital com a venda de imóveis.

    Os casais estão se divorciando para gozar da vantagem dada aos proprietários de um único imóvel de vendê-lo sem imposto. Recasam-se em seguida. Em Xangai, os funcionários do cartório que produz os certificados de divórcio dizem que os primeiros casais simulavam desentendimentos. Agora vão direto ao ponto.

    O novo governo terá que combinar um ambicioso projeto de redução da pobreza rural (a meta é urbanizar 400 milhões de pessoas em dez anos), novos rumos para uma economia --que gera grandes expectativas-- e, sobretudo, respostas à grande classe média urbana.

    A bem da verdade, se o chinês educado moderno acompanhar a realidade da Itália e dos demais países europeus, as discussões partidárias americanas e o sempre frágil quadro japonês, vai se dar conta de que confiança em política é um bem escasso no mundo de hoje. Mas isso não reduzirá a sua expectativa por dias melhores.

    marcos caramuru de paiva

    Escreveu até janeiro de 2015

    Diplomata, sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai.

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