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    Marcos Caramuru de Paiva

    Caminhos cruzados

    01/06/2013 05h00

    Comparar a China e o Brasil é exercício que pode levar a equívocos. Os dois países são radicalmente diferentes no quadro político, há um oceano entre suas culturas, as realidades econômicas mostram pouco em comum.

    A China tem elevadíssima taxa de poupança. Precisa levar a população a gastar mais, fomentar o mercado interno, fazer o crescimento depender menos das exportações industriais. O maior dilema econômico brasileiro vai na direção oposta: elevar a poupança, depender menos de recursos externos, inserir melhor a indústria na exportação.

    A China é relativamente aberta no comércio e fechada do ponto de vista financeiro. O Brasil é relativamente fechado a importações e integrado financeiramente à economia internacional. Os governos estaduais no Brasil são fortes. Na China, a gestão estadual tem mais de formulação política do que de ação. As prefeituras comandam o show. As cidades no Brasil dependem financeiramente das demais esferas de governo. Na China, geram recursos próprios com leasing de terra e operam com limitada dependência dos recursos federais. E assim vai.

    Aqui e ali, no entanto, é possível fazer ilações.

    As políticas hoje em voga no Brasil ""estímulos setoriais seletivos pela via do financiamento ou isenções tributárias, apostas em segmentos e empresas considerados promissoras, maior influência do Estado na orientação da vida privada"" têm algo do modelo asiático. Mas elas não geram sozinhas o crescimento. É necessário manter a confiança nas regras horizontais e na saúde dos pilares macro que garantem a disposição para investir.

    Os chineses têm pela frente um desafio que, a um só tempo, contrasta e se identifica com nossas políticas recentes: combater a percepção do setor privado de que só se é bem-sucedido quando se tem a bênção do governo, reduzir o corpo a corpo empresários-Estado, formular e respeitar mais frequentemente normas horizontais.

    Nos primeiros meses da administração Xi Jinping, o recado de que as coisas precisam mudar foi dado. Instituiu-se uma vigilância ferrenha sobre os contatos entre dirigentes governamentais e empresários.

    Os funcionários públicos passaram literalmente a temer ser vistos em jantares com o setor privado. Os próprios gastos do Estado com banquetes, festas e presentes estão sob escrutínio pesado. A tal ponto que já há quem avalie os reflexos sobre a rentabilidade dos hotéis, restaurantes e marcas de luxo. O preço de um bom Maotai (aguardente apreciada) caiu mais de 50%.

    É impossível saber se as orientações chinesa e brasileira se manterão ao longo do tempo. Países emergentes, por definição, têm pilares não consolidados de gestão pública. O empenho em determinadas ações está sempre sujeito a mudanças. No mundo de hoje, aliás, até as economias mais desenvolvidas mergulham em experimentos novos e audaciosos.

    O importante, para Brasil e China, é focar no que tem sustentabilidade, evitar o que parece bem no curto prazo, mas obscurece a visão do essencial. Só isso pode gerar nos agentes econômicos a convicção de que se está no caminho certo.

    marcos caramuru de paiva

    Escreveu até janeiro de 2015

    Diplomata, sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai.

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