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    Marcos Caramuru de Paiva

    Desafios do banco dos Brics

    28/07/2014 03h00

    A criação do banco dos Brics é um fato relevante. Não é a solução definitiva do deficit de infraestrutura de quatro dos cinco fundadores (Brasil, Índia, Rússia, África do Sul) nem demonstra, por si só, que os países-membros alcançaram um novo patamar na gestão de temas internacionais. Limitações ao entusiasmo são recomendáveis. O banco deve adicionar valor. Ao mesmo tempo, os Brics têm fragilidades que precisam ser levadas em conta.

    Na Ásia, discute-se a criação de instituição semelhante. O cenário financeiro asiático tende a ser mais confortável. Mesmo assim, muitos asiáticos acreditam que formar um banco ancorado na economia chinesa, cujo rating é apenas AA, é arriscado. Há que cooptar países com mais tradição de solidez junto ao mercado, como Cingapura ou Japão.

    A montagem e o funcionamento do novo banco envolverão maiores desafios do que os embutidos nos acordos sobre sede, presidência e distribuição de capital.

    O banco funcionará em Xangai. Inevitavelmente, a China fornecerá o maior contingente de funcionários e gozará de acesso privilegiado a informações em todos os níveis. Suas autoridades e empresas poderão dialogar com o "staff" com frequência. Não é à toa que as instituições de Bretton Woods funcionam na esquina do Tesouro americano. Contrabalançar essas peculiaridades exigirá um conselho de administração capacitado e com autoridade.

    A política de captações será mais complexa do que a dos demais bancos internacionais de desenvolvimento. Os instrumentos financeiros a serem emitidos deverão envolver moedas conversíveis e moedas dos países-membros. Montar o mix correto e operá-lo não será simples. Não há experiências que possam servir de precedente relevante, e os membros não dispõem de excedente de profissionais para enfrentar esse desafio e inovar.

    As regras de licitação terão que ser diferentes das nacionais. Os expedientes de que se valem usualmente os governos para, em licitações internas, gerar um viés em favor de empresas locais não serão possíveis numa instituição multilateral. Com regras neutras, as empresas chinesas terão naturalmente vantagem. Isso poderá gerar desequilíbrios. O ideal seria que as construtoras iniciassem o quanto antes um processo de articulação e formação de parcerias.

    As avaliações de risco, sobretudo se o novo banco emprestar a governos subnacionais (Estados e municípios), terão que ser rigorosíssimas.

    Empurrões políticos para aprovar projetos de tomadores mal geridos serão um equívoco. Instituições multilaterais hoje existentes têm facilidade para diversificar a carteira e concedem aos tomadores menos confiáveis empréstimos concessionais com recursos provenientes de doações, não de emissões. No caso do banco dos Brics, a diversificação é inviável, e os empréstimos concessionais estão fora de pauta.

    As normas ambientais dos membros encerram diferenças substanciais. Formar consenso em torno de regras comuns, que protejam o ambiente e não obstaculizem bons projetos, não será trivial. Em suma, há muito a debater. Nada que inviabilize a instituição, mas tudo a exigir um grau elevado de maturidade.

    marcos caramuru de paiva

    Escreveu até janeiro de 2015

    Diplomata, sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai.

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