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    Marcos Troyjo

    Por que não negociar com os EUA?

    22/11/2013 03h20

    Aturdida com crescente isolamento e erosão da competitividade, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) propõe negociações para um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos.

    Asfixiada pelo custo Brasil, cerceada pelo imobilismo e pequena escala do Mercosul, a indústria quer acesso privilegiado ao principal mercado comprador do mundo. Os EUA importam US$ 2,8 trilhões por ano. Só 1% disso vem do Brasil.

    Historicamente avessa a acordos dessa natureza, a indústria parece conscientizar-se de que os riscos de pactos comerciais com EUA e Europa podem ser comparativamente pequenos.

    Pior é alicerçar parcerias econômicas em afinidades ideológicas de ocasião e num romântico latino-americanismo.

    Ou iludir-se com desfechos milagrosos nas rodadas da OMC.

    Nosso Ministério do Desenvolvimento logo tratou de jogar água fria. Informou não prever conversações com os EUA. O Brasil estaria focado na concretização de um acordo Mercosul-União Europeia.

    O desdém faz lembrar comentário de graduado integrante do Planalto em março último.

    Questionado sobre a posição do país ante o mega-acordo comercial entre EUA e UE, a vigorar em 2015, o palaciano afirmou: "O Brasil acompanha as tratativas sem a afobação de um subordinado".

    Melhor no entanto termos pressa. E claro que negociar com a Europa também é bem-vindo --embora o Brasil tenha esperado anos até usar o seu peso relativo no Mercosul para retomar a conversa com Bruxelas.

    Tanto Mercosul como UE demandam, contudo, processo de consulta a dezenas de países-membros. Alguns, como Argentina e França, carregam conhecido histórico de manobras protelatórias.

    E a negociação agrícola, área sensível --e indispensável-- de um acordo entre esses dois blocos, não apresenta hoje menos entraves do que há dez anos.

    Por que então não começar igualmente uma negociação com os EUA? Não fazê-lo só pode representar falta de gente, vontade ou visão.

    Entre os milhões de funcionários do Estado no Brasil, não conseguiríamos destacar contingente para tratar com os EUA?

    Nos últimos dez anos, o Brasil relegou seus interesses comerciais nos EUA a segundo plano. Enquanto China e outros emergentes exponenciaram vendas, nosso comércio com os EUA teve crescimento pífio.

    Em 1985, vendíamos US$ 7 bilhões por ano. Os chineses, US$ 3,5 bilhões. Em 2013, os EUA terão comprado cerca de US$ 30 bilhões do Brasil. Já a China fechará o ano com exportações aos EUA de mais de US$ 400 bilhões.

    O escândalo da espionagem é exemplo de grossas e condenáveis barbeiragens dos EUA contra o Brasil e outros parceiros tradicionais. E hoje as relações entre Brasília e Washington estão estressadas.

    Não buscar, porém, formas preferenciais de ingresso num mercado de US$ 16 trilhões é falta de visão. Por mais distantes dos EUA em termos de simpatias ideológicas, os chineses sabem pragmaticamente separá-las de seus interesses nacionais. Deveríamos fazer o mesmo.

    mt2792@columbia.edu

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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