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    Marcos Troyjo

    Ataque às múltis brasileiras

    02/05/2014 03h01

    Das 15 maiores economias do mundo, a do Brasil é a menos internacionalizada, tanto pelo pequeno número de empresas nacionais com presença no exterior como pela baixa participação no comércio mundial.

    A insularidade incomoda há tempos. Desde que descoberto por Cabral há 514 anos, se excetuarmos os ciclos de commodities (cana-de-açúcar, café etc.), raramente o Brasil contabilizou exportações superiores a 15 % do PIB.

    A Suécia tem 10 milhões de pessoas e 200 empresas multinacionais (EMNs). O Brasil, 200 milhões de pessoas e só duas dúzias de companhias com atuação realmente global. A dimensão do mercado interno não é desculpa. Os EUA têm a mesma porcentagem do PIB ocupada pela soma de exportações e importações (cerca de 22%) que o Brasil –e dispõem de milhares de EMNs nos mais diversos portes e setores.

    Entre as economias mais avançadas do Ocidente ou mesmo aquelas da Ásia-Pacífico de maior crescimento relativo, a internacionalização é marcante. Japão, Coreia do Sul e China transformaram-se em "nações-comerciantes". Fortaleceram o elo entre elevadas fatias do comércio mundial e EMNs robustas.

    Já países como a Suíça contam com "empresas-rede". A Nestlé é bom exemplo. Grande parte de sua atividade industrial e 98% da receita vêm de fora do país.

    Há, assim, elo indissociável entre maior internacionalização e aprimoramento da competitividade.

    Para empresas nacionais com vocação internacional, os obstáculos são complexos. O oneroso "custo Brasil" atravanca a operação no país-sede. A não participação brasileira em acordos plurilaterais de comércio e investimento inibe a presença de nossas companhias em redes produtivas globais.

    É nesse contexto que parece particularmente esdrúxula a MP 627 aprovada pelo governo, sobretudo a taxação de 35% dos lucros oriundos de atividades no exterior. Trata-se de mais um fardo a erodir a posição competitiva de EMNs brasileiras em terceiros mercados.

    A implantação de tal medida evidencia a ausência, por parte do governo, de qualquer rumo estratégico voltado à inserção competitiva do país no cenário global.

    É gritante sua incoerência com a prática de financiar internamente empresas "campeãs nacionais" com créditos facilitados que superam os recursos para programas de alívio da pobreza, como o Bolsa-Família.

    Assim, em vez de maior competitividade externa, o resultado é o aumento do grau de oligopolização do mercado interno e maior vulnerabilidade de empresas nacionais ante possíveis aquisições por parte de EMNs estrangeiras.

    O discurso oficial brasileiro alardeia que nas últimas décadas o país estabeleceu três pactos: o da democracia (desde a segunda metade dos anos 80); o da estabilidade (com o Plano Real) e o da inclusão social (com as políticas de assistência social do período Lula-Dilma).

    Seria agora o momento de um novo pacto (o da competitividade). No entanto, com medidas que cortam as asas da internacionalização brasileira, esse quarto pacto tem tudo para não sair do chão.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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