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    Marcos Troyjo

    Argentina, novas relações carnais

    08/08/2014 02h00

    A força arregimentada por Bush pai na 1ª Guerra do Golfo contou com reforço simbólico.

    Nove anos após o traumático conflito nas Malvinas e o estranhamento com potências ocidentais, a Argentina remetia uma fragata ao esforço de constranger o apetite de Saddam Hussein por sua vizinhança.

    Com o gesto, Buenos Aires alinhava-se a Washington em "relações carnais". Mediante uma economia dolarizada, a Argentina sintonizara-se à banca multilateral e a Wall Street. Nada disso impediu o esfacelamento do peso em 2001 e o subsequente calote.

    Envenenou-se o entusiasmo pela Alca. Desmoronou o "realismo periférico".

    O olhar estratégico argentino orientou-se então ao Brasil.

    Já se jogara pá de cal sobre velhos antagonismos geopolíticos com a renúncia conjunta nos anos 90 ao desenvolvimento de armas nucleares. Trocas comerciais sob o guarda-chuva do Mercosul se expandiam.

    No Brasil de Lula, o novo antiamericanismo argentino tinha muro de arrimo.

    No crescente intercâmbio entre os dois grandes do Cone Sul, a escala da economia brasileira sombreou a do vizinho.

    Todo o "hype" em torno dos Brics e da "brasilmania" fez brotar sentimento dúbio nos círculos decisórios argentinos. Dor de cotovelo pela condição coadjuvante na América do Sul. Reconforto na certeza de que, atrelada à reluzente estrela econômica do Brasil, o país arremeteria.

    Nessa luz, compreende-se toda ciclotímica afirmação da "individualidade" argentina.

    Discursos sobre os benefícios da integração, mas catimba na liberalização multissetorial do comércio com o Brasil e nas negociações Mercosul-União Europeia.

    A "brasildependência" converteu-se num pesadelo em Buenos Aires.

    Comércio bilateral declinante. Diminuição do influxo de investimentos produtivos. Certeza de não contar com o vizinho num quadro de liquidez escassa. Daí, a percepção de que os reflexos do subdesempenho econômico brasileiro dos últimos quatro anos são mais fortes na Argentina do que os efeitos do marasmo argentino sobre o Brasil.

    Esse cenário de parcas opções –agravado pela crise dos abutres– leva a elite argentina a abraçar nova promessa de "relações carnais". Desta vez, o parceiro é a China.

    Pequim e Buenos Aires agora mantêm acordo para a operação de troca (currency swap) de US$ 11 bilhões entre seus bancos centrais. Disso emerge um "curralito comercial". A Argentina pode pagar importações chinesas em yuan.

    A China rapidamente tornou-se o segundo maior parceiro comercial argentino.

    O Banco de Desenvolvimento da China está injetando US$ 8 bilhões em hidrelétricas e na rede ferroviária. Os chineses entram com tudo na reserva de Vaca Muerta, na Patagônia, onde supostamente encontram-se os maiores depósitos não-convencionais de petróleo e gás do planeta –em que muitos enxergam o "último trem argentino rumo à prosperidade".

    Com os EUA desinteressados e demonizados e o Brasil envolto em seus próprios dilemas, a Argentina é cada vez mais atraída ao campo gravitacional chinês.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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