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    Marcos Troyjo

    Sobre 'Terceiras Vias'

    22/08/2014 07h54

    Aqueles que acompanham do exterior a cena brasileira estão confusos. Deparam-se com a notícia da emergência de uma "Terceira Via" no quadro político brasileiro.

    A confusão vem de que, na maior parte do mundo, o "recall" da expressão "Terceira Via" não é o de surgimento de alternativa a suposto duopólio político-partidário.

    Tal conceito remete à tentativa, sobretudo centrada nos anos 90, de implementação de uma filosofia de governança que conjuga a inegável eficiência do jogo de mercado na geração de riqueza a um papel corretivo-regulatório do Estado. Os expoentes políticos da Terceira Via teriam sido Bill Clinton e Tony Blair.

    Tal espinha dorsal de políticas públicas teria levado a economia dos EUA à sua maior expansão desde o fim da 2ª Guerra Mundial. No caso do Reino Unido, à combinação exitosa entre o legado econômico thatcherista e a aplicação homeopática dos princípios europeus de welfare state.

    Já o papel de guru da Terceira Via cabia ao sociólogo britânico Anthony Giddens. Este enxergava a doutrina como tendo firmado raízes para além da dimensão anglo-americana. A presidência de FHC seria seu principal experimento na América Latina. Líderes como Matteo Renzi, atual primeiro-ministro italiano, representariam expressão contemporânea desta filosofia de governar.

    Pode-se claramente ver estampada na face da Terceira Via sua filiação a programas dos tradicionais partidos da Social-Democracia europeia. É daí que se quer tal filosofia como "terceira" –por supostamente distanciar-se tanto de laboratórios "ultraliberais" quanto da malograda experiência do socialismo real.

    Por mais que se questionem o bom-mocismo teórico e o legado concreto dessa Terceira Via, tal acepção tem o mérito de pertencer ao nobre espaço em que confluem ideias, propostas e práticas de governar.

    Nestes últimos dias, vê-se que o Brasil não emprega "Terceira Via" como corpo de conteúdo programático para tornar o país mais próspero e justo. É tão somente forma de se referir a personalidade política, propulsionada por triste conjuntura à condição de alternativa eleitoral às administrações de PSDB e PT que se sucedem no Palácio do Planalto por duas décadas.

    Assim, o que a corrida eleitoral no Brasil tem mostrado ao mundo é um superficial –embora ostensivo– embate de marketing eleitoral. Nessa blitzkrieg publicitária, não se visualizam primeira, segunda ou terceira vias ao propósito de retirar o país da armadilha inercial de subdesempenho econômico em que se enredou ou das incômodas contradições de sua política externa.

    A experiência daqueles países que aceleraram seu desenvolvimento apresenta mais do que partidos a se eternizarem no poder ou personalidades carismáticas. Nações que constroem atalhos na História trazem liderança capaz de construir consensos e impor sacrifícios. Competente condução dos assuntos de Estado. Visão estratégica do modelo de economia política em face a uma nova fase da globalização. São tais marcas que perfazem a boa via.

    mt2792@columbia.edu

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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