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    Marcos Troyjo

    Choques externos e o Brasil

    19/09/2014 05h27

    2014 tinha tudo para ser o ano da virada na economia global.

    Os EUA pareciam revigorar-se. A Europa, liderada pela Alemanha, quebraria o marasmo resultante das crises gêmeas de 2008 e 2011 e dissiparia incertezas sobre o futuro do euro. O Japão, turbinado pela "Abenomics", abandonaria o padrão de inflação e crescimento baixos que marca o país desde os 1990.

    Para os emergentes, a chegada de Janet Yellen ao Fed e a gestão de Mario Draghi à frente do BC europeu prenunciavam retirada gradual de estímulos monetários. Com habilidade por parte das autoridades macroeconômicas dos emergentes, seria possível sem sobressaltos ao novo panorama mundial de liquidez.

    Mas o presente ano não é divisor de águas entre o pós-crise de 2008 e a retomada da expansão. País algum tem despontado como modelo de inquestionável sucesso.

    Para tornar o ambiente mais complexo, ao lado das dificuldades econômicas que se arrastam há seis anos, o jogo geoestratégico voltou com tudo. Desde o desaparecimento da União Soviética, em 1991, não se sentia tanto a mão pesada da geopolítica sobre a cena global.

    Na Eurásia, redesenha-se a velha lógica das esferas de influência. A ambição pelo delineamento de uma "Grande Rússia" por parte de Moscou é o principal desafio da Otan.

    Agudizaram-se os problemas do Oriente Médio. O programa nuclear iraniano é uma assombrosa incógnita. Recrudesceu o conflito israelo-palestino. Deteriorou-se o quadro de segurança na Síria e no Iraque, oferecendo a estufa necessária para o crescimento do sanguinário Estado Islâmico (EI).

    A expansão do PIB global, agora prevista pela OCDE em 3% para 2014, não retornou aos níveis pré-2008. Nos mais distintos países, políticas industriais privilegiam o conteúdo nacional como sagrado. O comércio mundial crescerá em ritmo inferior ao do PIB global pelo terceiro ano consecutivo, o que não acontecia há décadas.

    Em termos cronológicos, essa "desglobalização" já dura mais do que a Segunda Guerra Mundial. E seis anos no início do século 21, dada a intensidade tecnológica, representam mais tempo que o intervalo 1939-45.

    Todos são afetados pelos percalços geoeconômicos e geopolíticos. As maiores economias do mundo, com exceção de China e Índia, terão desempenho inferior ao que se vislumbrava ano passado.

    É de supor que países de economia aberta, mais sujeitos aos humores do comércio global –ou aquelas nações diretamente expostas a Oriente Médio, tensão na vizinhança russa ou separatismos–, fossem os mais impactados.

    Nada disso. O país de pior performance neste ano dentre as maiores economias do mundo –e que por mais vezes teve seu crescimento revisado para baixo– ostenta curiosa característica. É, a um só tempo, o mais fechado dentre os 15 maiores mercados e o mais distante dos atuais riscos geopolíticos.

    Conclusão: má gestão, erosão da confiança e ausência de estratégia –todas no âmbito interno– machucam mais do que choques externos. Tal país, infelizmente, é o Brasil.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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