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    Marcos Troyjo

    Para cima, para baixo

    31/10/2014 02h00

    Cortinas de fumaça confundiram o eleitor brasileiro nos últimos meses. Uma das mais enganadoras é a de que range no mundo conflito intenso entre forças de "esquerda" e de "direita". A corrida presidencial, com sua propalada "polarização", teria sido exemplo de tal embate.

    Com exceção da América Latina, ninguém hoje seriamente atribui substância a modelos alternativos de governo e sociedade baseados em noções caducas de esquerda ou direita. Tampouco à anteposição progressista/conservador, salvo quando aplicada a casos históricos concretos.

    Na França, onde surgiram em meio às convulsões de 1789, esses termos deixaram de carregar o peso moral de uma cosmovisão. Ao sabor da ocasião, são abraçados no repertório autopreservacionista do funcionalismo público, na academia desconectada do mundo do fazer ou no discurso anti-imigração.

    No Reino Unido ou na Alemanha, significam tão somente maior ou menor presença do Estado em certas políticas públicas –pontuais na maioria das vezes. Nada de reviravolta no regime de propriedade.

    Nenhum espaço ao coletivismo. Nada de métrica que reduza a experiência humana à oscilação pendular.

    Muitas das reformas que levaram a China à rota da prosperidade adotadas por Deng Xiaoping em 1978 assemelham-se a pilares do "Milagre do Rio Han" –lançados pelo general Park Chung-Hee na decolagem sul-coreana ao desenvolvimento.

    No Brasil, continuamos a falar de cinema ou diplomacia "de esquerda". De política monetária ou segurança pública "de direita". Nos anos Lula, teríamos assistido a uma política externa "de esquerda" e gestão macroeconômica "de direita".

    Ora, que pode haver "de esquerda" na aproximação com o Irã de Ahmadinejad ou a Líbia de Gaddafi? Que "de direita" existe em limites de responsabilidade fiscal ou noutras medidas que levem ao grau de investimento?

    Que reconhecer de progressista no apoio a Havana quando nos últimos 12 meses 25 mil cubanos lançaram-se ao mar fugindo para os EUA? Thatcher e Gorbatchov –desobstruidores da esclerose que paralisava britânicos e soviéticos– eram líderes conservadores?

    Que pontos comuns identificar na estratégia econômica "de esquerda" de Pequim ou Pyongyang? A conhecida repressão à liberdade de expressão ou outros direitos humanos pertence a que polo ideológico?

    Diz-se que Dilma, vencedora nas urnas, teria apostado na "lógica do violino".

    Com acenos pré-eleitorais às camadas populares e pós-eleitorais ao mercado, pegou o governo com a esquerda, mas o tocará com a direita.

    Diante dessa superficial dualidade –renitente em habitar o debate nacional–, uma lembrança para desagradar progressistas e conservadores. Há exatos 50 anos, no discurso que o alçaria como protagonista do quadro político dos EUA, Reagan afirmava não haver "esquerda ou direita"; apenas "para cima ou para baixo".

    Países com setor privado pujante e governo inteligente são "para cima". Os que insistem no binário embate ideológico, quando muito, andam "para o lado".

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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