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    Marcos Troyjo

    Brasil, chinês de menos

    14/11/2014 02h00

    Jim O'Neill, criador da sigla "Brics", disse em entrevista a esta Folha que o governo brasileiro ingere-se exageradamente na economia.

    Menciona a política discricionária na concessão de crédito do BNDES ou incursões no Banco Central como medidas claramente intervencionistas. A mão pesada teria tornado o governo brasileiro "chinês demais".

    O'Neill está errado. Na imensa maioria dos desafios de diagnóstico do cenário internacional, e na formulação e implementação do interesse nacional, é oposto o papel desempenhado pelo governo na trajetória recente de Brasil e China.

    Na superfície, ambos (e sobretudo o Brasil nos últimos 12 anos) praticam variantes de um capitalismo de Estado. Há, nessas modalidades, semelhanças na regulação de setores e na criação de conglomerados com base no princípio de empresas "campeãs nacionais".

    Observou-se em muitos momentos administração artificial de preços na economia. No Brasil, isso atendeu à lógica de controle inflacionário e conveniência eleitoral.

    Na China, a taxa de câmbio durante décadas permaneceu depreciada para favorecer exportações. O valor pago na forma de salários nos últimos 35 anos expandiu-se em proporção inferior ao crescimento do PIB. Não estranha, assim, a reserva de US$ 3,8 trilhões que a China acumula.

    A principal diferença é que o governo chinês formulou e executou projeto estratégico para seu país. Nele, claro, é importante a presença do governo, mas sobretudo na indução, menos em sua onipresença como empresário ou provedor.

    No âmbito microeconômico, a China é bem mais liberal que o Brasil. No comércio global, menos protecionista. Na política industrial, menos cepalina.

    Na China, a carga tributária é de 18% do PIB. No Brasil, 37%.

    Ao contrário do que se observa nas universidades públicas brasileiras, o ensino superior público na China não é gratuito. Os chineses já dirigem quase 2% de seu PIB à inovação, o dobro do percentual do Brasil.

    A China fez valer seus baixos custos internos aliando-os a uma política de comércio exterior e atração de investimentos industriais. Obteve nos anos 70 e 80 acesso favorecido aos mercados de EUA e Europa. Usou capital estrangeiro para robustecer a infraestrutura interna.

    Distanciou-se da agenda internacional em temas não econômicos, limitando-se a declarações de princípio. Optou por tornar-se rica antes de ser poderosa.

    Pequim exerce abominável controle sobre liberdade de expressão, acesso à informação e outras conquistas que devem compor acervo sagrado de direitos civis, não importa a que civilização pertença o país.

    Os chineses têm ainda o "guanxi", complexa rede de influência parecida com nosso "quem indica" ou "ter padrinho" na hora de fazer negócios. Ainda assim, não há empresário global que ache o ambiente brasileiro menos intoxicado de presença governamental que na China.

    Em termos de visão de longo prazo, atenção à competitividade empresarial e integração à economia global, o Brasil certamente é "chinês de menos".

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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