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    Marcos Troyjo

    O pêndulo de Putin

    05/12/2014 02h00

    No longo curso da história, é difícil encontrar manifestação do espírito humano que não tenha sido iluminada por expoentes russos.

    Pense em Tolstói ou Dostoiévski na literatura. Tchaikóvski ou Rimsky-Korsakov na música. Duas dezenas de prêmios Nobel em ciências como física e química. Acrescente nomes da medicina, do esporte, da dança e até das artes circenses.

    Junte a isso tudo os abundantes recursos minerais do maior território do mundo, sobre o qual se estendem 11 fusos horários.

    A Rússia apresenta bons níveis educacionais, superiores a praticamente todos os mercados emergentes e semelhantes aos da OCDE.

    Embora o "brain drain" (fuga de cérebros) tenha sido grande após a desintegração da União Soviética, a Rússia ainda tem hoje enorme população de cientistas.

    Durante a Guerra Fria, os russos competiam em tecnologia militar-espacial, mas não produziam despertador que tocasse na hora ou bicicleta que rodasse sem empenar.

    Hoje, a Rússia continua a gestar alguns dos melhores matemáticos do mundo, mas não consegue gerar uma empresa global no domínio das pontocom.

    Por que será, então, que a Rússia não é rica? A julgar por variados fatores, a que se agregam a experiência de terríveis guerras de agressão ou modelos econômicos coletivistas dos quais o país desejaria afastar-se, é de supor que a Rússia se encontrasse plenamente vocacionada para a prosperidade.

    No entanto, a dinâmica da "economia em transição", desencadeada no início dos anos 90 com o fim do regime comunista, não tem gerado riqueza à altura das potencialidades russas.

    Para onde orientou-se tal transição? Nas últimas duas décadas, a Rússia não se lançou ao jogo democrático com alternância de poder e forte sociedade civil. Difícil identificar hoje oposição com reais chances de derrotar Putin, que quer continuar a escolher sucessor a dedo.

    Tampouco se instalou na economia verdadeira ordem de mercado que permitisse fluxo mais livre de capitais a irrigar as muitas áreas de talento.

    É praticamente impossível agregar ao rico panteão russo de cientistas e artistas grandes nomes da indústria e do empreendedorismo.

    O país dos czares foi sucedido pelo horroroso experimento comunista. Seguiu-se à União Soviética a Rússia imantada pelo que poderíamos chamar de "pêndulo de Putin".

    Tal instrumento é operado pelo titular do Kremlin de modo a movimentar-se entre dois polos de legitimação no poder –e assim retardar qualquer modernização institucional.

    De um lado, a economia vertebrada em torno dos recursos energéticos. O conhecido "populismo das commodities", que suscitou alguma saúde macroeconômica, apesar da falta de diversificação industrial.

    Do outro, o sentimento nacionalista que continua a conferir popularidade a Putin e suas incursões geopolíticas.

    Mas a conjuntura está se voltando contra o status quo. Barril de petróleo a modestos US$ 70 e sanções do Ocidente que machucam a sociedade russa são os maiores desafios desde que o "pêndulo" começou confortavelmente a oscilar.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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