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    Marcos Troyjo

    A corrida por influência na Ásia

    20/03/2015 02h00

    Na incerta seara das relações internacionais -alianças e rupturas movem-se ao sabor da ocasião-, uma parceria mostrou-se sólida nos últimos 70 anos: o "Relacionamento Especial" entre os EUA e o Reino Unido.

    Fundada em herança civilizacional comum, e forjada a fogo na Segunda Guerra, tal associação atravessou conjunturas delicadas.

    No conflito das Malvinas, Washington ladeou-se com Londres apesar da existência do Tiar (Tratado Interamericano de Ajuda Recíproca). A julgar pela letra de tal acordo, os EUA deveriam apoiar a Argentina.

    Na 2ª Guerra do Golfo, e em nome da parceria transatlântica, Blair sacrificou popularidade e prestígio multilateral para se juntar à coalizão de Bush filho.

    Mesmo Churchill nunca disfarçou predileção por gerir o mundo a partir de um condomínio anglo-americano -em vez de se embaraçar na complexa costura de governança com a Europa continental.

    Nos últimos dias, contudo, a relação entre americanos e britânicos submete-se a intenso teste de estresse.

    Na contramão dos interesses geoestratégicos de Washington, Londres decidiu juntar-se ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês).

    A iniciativa, de origem chinesa, é uma das principais cartadas de Pequim na ampliação de sua influência sobre a Ásia.

    A China enxerga Banco Mundial e FMI como anacrônicos, fósseis de uma realidade de poder dos anos 1940.

    A burocracia das instituições de Bretton Woods na liberação de fundos torna essas agências inoperantes. Nenhuma tem foco e musculatura para saldar fração dos US$ 8 trilhões necessários ao fortalecimento da infraestrutura na Ásia.

    E mesmo o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), fundado nos 1960 e dominado por Japão e EUA, concentra atenção no alívio da pobreza, não no provimento de infraestrutura física para o crescimento econômico.

    Doze nações da Ásia-Pacífico já aderiram ao AIIB, mas foi a predisposição britânica em se associar ao banco de liderança chinesa que gerou efeitos colaterais em diferentes quadrantes.

    Apesar da aliança de que desfrutam com os EUA, Coreia do Sul e Austrália -há pouco reticentes em se associar ao novo banco- estão reconsiderando suas posições.

    Hoje as exportações de ambos os países à China são bastante superiores aos fluxos comerciais que mantêm com os EUA.

    Geralmente laudatória de sua parceria com Londres, a diplomacia americana acusou o golpe.

    Alto funcionário do governo dos EUA abriu baterias contra os britânicos, tachando-os de "muito condescendentes" com arbitrariedades de Pequim em termos econômicos ou de direitos humanos.

    Mostrar-se contrário à adesão do mais tradicional aliado a uma iniciativa chinesa de tamanho impacto só fez colocar Washington em posição ainda mais constrangedora.

    Alemanha, França e Itália acabam de anunciar que também serão sócias do banco.

    Xangai sediará a instituição, bem como o banco dos Brics e várias outras agências de financiamento.

    Nessa corrida por influência na Ásia, o novo sistema econômico "sinocêntrico" larga na frente.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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