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    Marcos Troyjo

    Tragédia grega emociona Moscou e Pequim, 'ma non troppo'

    01/07/2015 03h00

    Todos sabem que os líderes europeus estão arrancando os cabelos pela tensão com o calote grego e a eventual saída de Atenas da zona do euro.

    Portugal pensa consigo: "Os próximos somos nós". A Espanha, após quatro anos de severos ajustes, vê sua recuperação ameaçada. Mesmo Itália e França voltam a um nítido desconforto com o baixo desempenho de suas economias e o tamanho relativo de sua dívida pública.

    Os burocratas de Bruxelas veem sua jurisdição restringida e, eventualmente, em retração com o malogro da moeda comum. A Alemanha terá falido no papel de centro operacional do projeto europeu.

    Também nos EUA a crise grega é vista com aflição. A atual orientação da política externa de Washington gostaria de priorizar ainda mais seus objetivos estratégicos na Ásia-Pacífico.

    Marios Lolos - 29.jun.2015/Xinhua
    Em Atenas, grego participa de ato convocado pelo Syriza contra medidas de austeridade
    Em Atenas, grego participa de ato convocado pelo Syriza contra medidas de austeridade

    A pior coisa que poderia acontecer para a retomada econômica dos EUA é um evento desagregador, como o "default" grego e seus corolários sociopolíticos, sobre o qual tem pouca ingerência direta.

    Desequilíbrios no Velho Continente que venham a exigir maior atenção e recursos dos EUA despertam memórias traumáticas. No limite, mostram a Washington, ao contrário do que uma Europa pujante faria supor, que os EUA são mais indispensáveis do que os próprios norte-americanos gostariam de ser.

    Que falar da estatura da Europa como ator global se ela própria não consegue equacionar os dilemas de um de seus sócios menos economicamente pujantes?

    Em meio a todas essas atribulações, EUA e Europa parecem também temer a "desocidentalização" da Grécia. Fora da zona do euro, e eventualmente da própria União Europeia, Atenas seria presa fácil das ambições geopolíticas de Moscou e Pequim.

    Por um lado, a presença do primeiro-ministro Alexis Tsipras há poucos dias no Fórum de São Petersburgo, tendo por anfitrião Vladimir Putin, sinaliza a alguns que, ressentidos pelo possível rompimento com Bruxelas, os gregos passariam imediatamente a gravitar na esfera de influência russa.

    Por outro, a mera justaposição do passivo soberano grego às reservas cambiais chinesas, e portanto à robusta capacidade de Pequim para dirimir crises de liquidez, permite supor que os gregos adorariam jogar-se nos braços dos chineses.

    Nesse linha, a China poderia desempenhar papel de provedor de recursos financeiros, em caráter amistoso e pouco transparente, à semelhança do que vem fazendo com Argentina, Equador e sobretudo Venezuela.

    Tais temores ocidentais, no entanto, são amplamente exagerados. Moscou e Pequim torcem discreta, mas intensamente, para que os gregos permaneçam na zona do euro.

    O Kremlin deseja consolidar sua própria esfera de influência desenhada nos limites daqueles países que compunham a ex-União Soviética. Nesse quesito, Moscou busca incrementar sua ingerência na Ucrânia, mas pouco além disso.

    Ao contrário do que se pode imaginar, os russos têm grande respeito pela integridade do projeto comunitário europeu. Não gostariam de ser vistos como mais um fator desestabilizador da situação grega.

    Pequim tampouco apreciaria ter na Grécia outra frente para sua extroversão. Com sua vizinhança asiática, sua projeção na África e a crescente presença na América Latina, os estrategistas chineses entendem que já têm "comida demais no prato".

    Além disso, no que diz respeito ao papel chinês como fonte de crédito, Pequim prefere cenários em que seja protagonista de agendas positivas. Adora liderar investimentos em infraestrutura de terceiros países ou na constituição de governança econômica alternativa (banco asiático de infraestrutura, banco dos Brics etc.). Apresenta menor predileção por conjunturas em que tenha de ser um bombeiro acidental.

    A Rússia, por ora, contenta-se com o resguardo de sua proeminência na Eurásia. A China não entra em bola dividida, sobretudo onde seu interesse geoeconômico não é automático. Moscou e Pequim se emocionam com a tragédia grega, mas nenhuma virá ao socorro de Atenas.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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