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    Marcos Troyjo

    Que visita de Obama foi mais importante, Cuba ou Argentina?

    30/03/2016 02h00

    Rebecca Blackwell/Associated Press
    O presidente dos EUA, Barack Obama, acena ao lado do ditador Raúl Castro em estádio de Havana
    O presidente dos EUA, Barack Obama, acena ao lado do ditador Raúl Castro em estádio de Havana

    Se medirmos por centimetragem nos grandes jornais, volume de conteúdo na Internet, ou tempo de televisão ou rádio, a recente visita do presidente norte-americano Barack Obama a Cuba parece ter sido muito mais importante que aquela à Argentina.

    É compreensível a carga de emoção no ar quando a família que ocupa a Casa Branca percorreu as vielas de Havana Velha (maravilha da arquitetura, hoje transformada num dos maiores cortiços do mundo). Ou ainda quando, ao lado de Raúl Castro, assistiu a uma partida de beisebol —paixão em Cuba e nos EUA— entre equipes dos dois países.

    Tal visita, no entanto, carrega mais peso simbólico para as relações bilaterais do que real impacto na América Latina ou no resto do mundo.

    Ao contrários dos anos 1960 ou 1970, ninguém na África ou na Ásia olha para Havana em busca de modelos político-econômicos de superação do subdesenvolvimento. Desde 1959, ano da Revolução, Cuba obteve reconhecidos avanços na saúde e educação básica, mas pouco mais do que isso.

    O país é paupérrimo. Sua influência na ONU ou outros organismos multilaterais é nenhuma. Cuba não tem cacife para financiar grandes projetos estruturantes. Compra pouco do resto do mundo.

    Eu trabalhei por algum tempo em Cuba, como diplomata, no início dos anos 1990. Era o auge do "Período Especial", maneira açucarada de classificar a precaríssima situação econômica do país após o fim da União Soviética e a cessação da "solidariedade internacional socialista".

    Todas as prioridades do país encontravam-se de cabeça para baixo. Lembro-me de um dia, em outubro de 1994, em que o "Granma", o jornal chapa-branca do Partido Comunista Cubano, estampava na capa uma gigantesca foto de Fidel Castro cumprimentando um mandatário asiático que visitava Cuba.

    Lia-se na manchete, em letras garrafais, a seguinte frase: "EXCELENTES! – assim classificou Fidel nossas relações com o Laos".

    Cuba hoje é muito mais uma questão da política interna do Estado da Flórida, do que mesmo um tema de maior envergadura para Venezuela e Bolívia, às voltas com seus próprios fantasmas.

    Já a visita de Obama à Argentina é de grande relevo para a América Latina, e sobretudo para o Brasil.

    Em tempo recorde, o presidente Macri costurou uma série de reparos na distorcida política argentina de preços públicos, bem como na bizarra política monetária —e particularmente no câmbio.

    Parece ter posto fim à disputa com os "malditos fundos abutre" e projeta uma ambiente de negócios com menos regulações e mais incentivos à participação do capital produtivo na economia do país.

    Soa inverosímil, mas na visita à Casa Rosada Obama falou de comércio e investimentos hemisféricos. Sua mera presença na Argentina trouxe grande —e positiva— publicidade global para o país anfitrião.

    E é nesse contexto, o da geoeconomia, que o périplo argentino de Obama é de maior potencial.

    Desde a gravíssima crise argentina de 2001, acontecimento que pôs fim à aproximação entre Buenos Aires e Washington nos anos 1990, fenômeno conhecido como "relaciones carnales", a Argentina gravitou, num primeiro momento em torno do tamanho relativo da economia brasileira.

    Num segundo instante, em especial a partir de 2010 quando o desempenho econômico do Brasil definhou, a Argentina aproximou-se da China, não apenas em termos de comércio, mas sobretudo como fonte de investimento externo para a infraestrutura.

    É nessa moldura que os chineses já possuem acordos preferenciais, firmados nos estertores do governo de Cristina Kirchner, para a construção na Argentina de usinas nucleares, hidrelétricas, ferrovias, reservas não-convencionais de combustíveis na região de Vaca Muerta (ao sul do país). Os chineses também ocupam crescentes fatias do setor bancário argentino e mantém portas abertas para empréstimos "governo-a-governo".

    Com uma maior presença dos EUA na nova fase argentina, Buenos Aires inteligentemente encena um "tango de sedução" para obter, pendularmente, mais benefícios de Washington ou Pequim.

    Existe uma imensa distância entre esses primeiros movimentos de Macri e a transformação da Argentina, há décadas mergulhada numa lenta e regular decadência.

    Ainda assim, hoje ao menos figura no horizonte a possibilidade de inflexão de uma economia autárquica rumo a um país mais conectado com o mundo.

    Pena que, graças a suas barbeiragens macroeconômicas e de política externa, o Brasil está ficando fora dessa dança.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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