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    Marcos Troyjo

    O Brasil que deu no "New York Times"

    06/04/2016 02h00

    Logo nas primeiras horas desta última segunda, 4 de abril, recebi no iPad um "alerta" do "New York Times" de que havia uma matéria sobre a rede de crises que envolve o Brasil.

    A princípio, nada de mais. Toda a imprensa global vem cobrindo regular e detalhadamente as agruras brasileiras.

    O francês "Le Figaro" e o britânico "The Guardian" também dedicaram amplo espaço nesta semana para associar a volta da normalidade no país à saída de Dilma Rousseff do poder.

    A CCTV chinesa exibe reportagens de dez minutos diariamente para o escândalo político-policial no Brasil e seus corrosivos efeitos econômicos.

    O "Financial Times" atualmente oferece mais cobertura ao calvário brasileiro do que aos recorrentes problemas macroeconômicos da Grécia.

    Ao acessar o longo texto, ricamente redigido por Simon Romero, correspondente do jornal no Brasil, percebi que se tratava de algo especial. E, em toda probabilidade, com chamada de primeira página.

    Lendo inicialmente a versão digital do NYT, não imaginava, contudo, tratar-se "da" matéria de capa do jornal.

    Reprodução
    Reprodução da capa do NYT
    Reprodução da capa do 'New York Times', que destaca a crise política brasileira

    Fui então comprar a edição no papel. Há tempos não lia a versão impressa do jornal. Adquiri-a numa dessas "Hudson" que se encontram em estações de trem e aeroportos.

    Ao mostrar a capa do jornal para alguns brasileiros que estavam comigo, disse: "Puxa, que dano para a imagem do Brasil".

    O título não poderia ser mais descritivo da situação do país: "Como uma teia de corrupção enredou o Brasil'.

    Um casal de americanos que estava por perto, e também tinha nas mãos o jornal, comentou então comigo: "We sympathize with you ('solidarizamo-nos com você'); fizemos investimentos no Rio de Janeiro e agora estamos colhendo amargos frutos".

    "Não se preocupem", continuou o casal. "Os EUA vão eleger Donald Trump presidente e em breve nós é que estaremos envergonhados perante a opinião pública mundial".

    Já tive várias "encarnações" como assinante do NYT. Há quase 20 anos, como diplomata servindo na Missão do Brasil junto à ONU, recebia o jornal no trabalho e, nos fins de semana, em casa.

    Mais tarde, adorava acessar o saudoso "International Herald Tribune" que, numa tentativa de reforço de marca, foi sucedido pela versão "internacional" do NYT (embora sem o mesmo tom cosmopolita do "Herald").

    Em todo esse tempo, o jornal só aumentou sua audiência. Mesmo décadas atrás, a expressão em português "deu no New York Times" era sinônimo de repercussão global.

    E, sinceramente, não me recordo de qualquer acontecimento relacionado ao Brasil desde os anos 1990 que tenha merecido um espaço tão grande na primeira página do jornal (além da página inteira em seu interior).

    Hoje, para além da internet, essa matéria de capa foi seguramente vertida para dezenas de idiomas e republicada nos quatro cantos do mundo.

    Nem tudo, no entanto, é motivo de embaraço para os brasileiros.

    Se por um lado a exibição desse "filme de horror" (como o "Financial Times" já classificou a crise brasileira) nos envergonha em qualquer parte do planeta, há também uma crescente percepção de que tudo isso pode ser uma bênção disfarçada.

    Até pouco tempo atrás, superficiais perspectivas do exterior, na mídia e na academia, associavam modalidades de destituição da presidente da República, impeachment ou anulação das eleições de 2014, como vetores de fragilização da ainda jovem democracia brasileira.

    Ante o volume e detalhe do esquema de corrupção e projeto de perpetuação no poder agora fartamente desvelado, poucos hoje enxergam saída para a crise brasileira que não a célere —e nos limites democráticos— alternância de titular no Palácio do Planalto.

    Nessa linha, a análise do influente economista Dani Rodrik, de Harvard e Princeton, é ilustrativa.

    Há poucos meses, num debate público, Rodrik elogiava a maneira exemplar como promotores e juízes estão enfrentando a corrupção no marco da lei.

    Argumentava que o Brasil enfrenta a corrosão do establishment com impressionante maturidade política e desapego partidário.

    Esse Brasil que "deu no New York Times" e em tantos outros veículos não é o que uma soberba imprensa mundial poderia supostamente descrever como "pátria da corrupção".

    Bem ao contrário, a opinião pública global tem embutido crescentes elogios, diretos e indiretos, no sentido de que, quando o assunto é corrupção, parte das instituições e a grande maioria dos brasileiros "estão fazendo algo a respeito".

    E que, daqui a cinco anos, quando tudo isso tiver ficado para trás, o Brasil poderá estar bem mais fortalecido. Mais do que um final feliz, isso seria um recomeço com que os brasileiros tanto sonham.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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