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    Marcos Troyjo

    Macron mostra que declínio do Ocidente não é inevitável

    10/05/2017 02h00

    Num discurso pronunciado de Londres, em 1941, com seu país ocupado pelos nazistas, o general De Gaulle realçava o pacto imemorial entre a grandeza da França e a liberdade do mundo ("il y a un pacte vingt fois séculaire entre la grandeur de la France et la liberté du monde").

    A frase adorna a imponente estátua do general-presidente que se projeta sobre a avenida Champs-Elysées, na capital francesa. Mais do que simples expressão de orgulho galicista, a mensagem é a de um país essencialmente aberto, política e economicamente e, nesse sentido, um bastião na defesa dos ideais do Ocidente.

    Panoramic/Zumapress/Xinhua
    O presidente eleito da França, Emmanuel Macron, participa de cerimônia do Dia da Vitória na 2ª Guerra
    O presidente eleito da França, Emmanuel Macron, participa de cerimônia do Dia da Vitória na 2ª Guerra

    Com a vitória no último domingo de Emmanuel Macron, a França se distancia da atual tendência, que se alastra perigosamente nos EUA e na Europa, voltada ao ensimesmamento nacional, ao protecionismo comercial e à intolerância civilizacional —tudo isso turbinado pelo populismo como método.

    Nos pesados golpes desferidos logo ao início do debate que precedeu o pleito presidencial, o futuro inquilino do Eliseu pontuou suas diferenças ante a candidata Marine Le Pen, da Frente Nacional. Para Macron, sua adversária era o signo da "derrota" da França para o mundo, e portanto da necessidade de "proteção" que seu país enseja.

    O jovem presidente eleito, no entanto, posicionou-se como candidato da França que "conquista", que aceita lidar com a globalização nos seus próprios termos, que não tem medo do que vem de fora. Bem ao contrário, da França que compete e vence internacionalmente.

    A prevalências das forças desglobalizadoras em tempos recentes (eleição de Trump, "brexit", etc.) abalaram esse importante pilar do projeto ocidental que é o próprio princípio de livre mercado e livre comércio.

    Aliás, numa grande resumo, pode-se sintetizar numa fórmula matemática a noção de que economia de mercado, livre comércio, democracia representativa, liberdade de expressão e estado de direito somam-se na definição do que seja o "Ocidente".

    Triunfante no período pós-Guerra Fria, momento captado pela famosa tese do "Fim da História" professada por Francis Fukuyama, o Ocidente tem sofrido pesados reveses.

    Se um dos vetores da "Globalização Profunda" que experimentamos da Queda do Muro de Berlim até o colapso do Lehmann Brothers foi a primazia da economia de mercado e o livre comércio, então a a atual desglobalização rima com "desocidentalização".

    Tal fenômeno é menos resultante da ascendente "Orientalização" ("Easternization", título do mais recente livro de Gideon Rachman ), colunista do "Financial Times", e mais o sucedâneo da perda da confiança ocidental em seus próprios valores.

    Essa é a preocupação que alimenta o aparecimento de importantes livros sobre o futuro da economia de mercado e da democracia representativa como "O Destino do Ocidente", de Bill Emmott, ex-editor-chefe da revista "The Economist", e também "A Retração do Liberalismo Ocidental", de Edward Luce, principal correspondente do "Financial Times" nos EUA.

    Com o êxito de Macron, a Europa se afasta do perigoso individualismo nacionalista de Marine Le Pen, sentimento que levou também à ascensão de movimentos antiglobalização e sua expressão eleitoral na Áustria e na Holanda. Ainda assim, tal matéria-prima nacional-individualista estará presente nas próximas e cruciais eleições na Itália e na Alemanha.

    Macron contribuirá tanto mais para o fortalecimento dos pilares ocidentais se conseguir conjugar complexas dinâmicas internas e externas.

    No plano doméstico, trata-se de reconstituir o pacto social francês por meio de reformas modernizantes. Diminuir o tamanho do Estado na economia, decrescer a hipernormatização burocrática que asfixia empresas e flexibilizar a legislação trabalhista são tarefas árduas e urgentes tarefas na França —como no Brasil.

    E, no plano externo, seria muito bem-vinda uma liderança francesa na retomada das negociações para um mega-acordo comercial entre Europa e EUA, a chamada Parceria Transatlântica de Investimento e Comércio (TTIP, na sigla em inglês), que muitos deram por morto com a eleição de Trump e sua conhecida ojeriza a tratados econômicos plurilaterais.

    A atitude pró-globalização de Macron emite vibrações com efeitos para muito além do hexágono territorial francês. Ela em muito ajudará a revitalizar o combalido conceito de Ocidente.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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