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    Marcos Troyjo

    A relação China-Brasil é do tipo 'Sul-Sul'?

    27/09/2017 02h00

    Conceber e aprimorar tecnologicamente produtos e processos —e levá-los aos mercados globais— é o grande diferencial de poder e riqueza nas sociedades contemporâneas.

    Choques de "destruição criativa", nos dizeres de Joseph Schumpeter, fazem países ocupar o "centro" da geometria econômica internacional.

    Kenzaburo Fukuhara - 4.set.2017/AFP
    Os presidentes Michel Temer e Xi Jinping (China) se encontram na cúpula dos Brics em Xiamen, no dia 4
    Os presidentes Michel Temer e Xi Jinping (China) se encontram na cúpula dos Brics em Xiamen, no dia 4

    Segundo a famosa "hipótese Singer-Prebisch" e toda a escola estruturalista que se lhe seguiu, deriva deste modelo um padrão "Centro-Periferia" ou, para alguns, "Norte-Sul".

    No centro, ou Norte, países que realizam intensiva destruição criativa e agregação de valor. Na periferia, ou Sul, países dependentes da comercialização de matérias-primas.

    Quando a liderança central era desempenhada pela Inglaterra no século 19, elites latino-americanas, como a da Argentina, logravam manter elevados padrões de vida com a exportação de carne ou trigo.

    Era o mundo ricardiano das vantagens comparativas que permitia a Buenos Aires prosperidade e sofisticação cultural. Há um século a capital argentina contava tantas livrarias como Paris e teatros equivalentes aos de Londres.

    Com os EUA (também uma superpotência do comércio agrícola) no papel de economia central, emergiu o desafio da industrialização por "adaptação criativa". Diferenciais teriam de residir em vantagens "competitivas."

    A China tem combatido sua condição periférica desde 1978 com industrialização voltada a exportações. O Brasil, com a substituição de importações.

    A primeira visa acordos comerciais, PPPs voltadas à estruturação de comércio exterior e baixa remuneração dos fatores. A segunda, protecionismo, alento ao mercado interno e incentivo em compras governamentais ao conteúdo local.

    O êxito ou fracasso desses modelos está associado a uma correta compreensão —e necessária adaptação— das estratégias nacionais a um verdadeiro "eclipse" no centro da economia global.

    Isso porque a China tornou-se um "outro centro", para além do tradicional "Norte ". É um erro, portanto, saudar o intercâmbio comercial Brasil-China como validação das relações "Sul-Sul".

    O modelo industrial chinês de Nação-Comerciante tem sido tão eficiente e portentoso em escala, que sua arrancada gerou, no período de 2003 a 2011, uma retomada da demanda planetária por commodities.

    O PIB chinês em dólares correntes foi multiplicado 60 vezes desde 1978. Ultrapassará US$ 12 trilhões ao final deste ano.

    Por um lado, a China acelerou sua adaptação criativa e, mediante exuberantes superávits comerciais e sucessivos excedentes orientados estrategicamente à pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D+I), está aproximando-se do centro denso em tecnologias.

    Em 2020, a China chegará à marca de 2,5% de seu PIB voltados à P&D+I, superior portanto à media de 2,1% dos países da OCDE. O Brasil continua no patamar de apenas 1% de seu PIB em P&D+I.

    Por outro, este renovado sistema internacional em que há uma centralidade da China faz reemergir, para países como o Brasil, lógica semelhante ao padrão Norte-Sul das vantagens comparativas do século 19.

    Isso se ilustra por fatos como o da tonelada chinesa exportada ao Brasil a US$ 3.000, enquanto a tonelada brasileira à China vale menos de US$ 170.

    Esta gravitação passiva em torno de um novo centro é extremamente temerária para o Brasil. Pode levar a uma sensação de efêmera prosperidade causada por ciclos de alta no preço internacional das matérias-primas.

    Minha estimativa é que não estamos distantes de um ciclo dessa natureza, decorrente da transposição do parque industrial chinês para sua vizinhança geoeconômica. O crescimento de Índia, Vietnã, Indonésia e outros pode de fato sustentar valores elevados para bens agrícolas e minerais durante muito tempo.

    Se para Brasil e demais latino-americanos os benefícios do comércio em commodities não se traduzirem em investimentos nas áreas de ponta deste cenário global de acirradas rivalidades tecnológicas, estaremos consolidando um novo eixo "centro-periferia".

    Desta feita, continuará a nos caber a função de periferia. Já o papel de centro se deslocará cada vez mais de EUA-Europa para a ascendente região da Ásia-Pacífico.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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