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    Marcos Troyjo

    2017, o ano em que a China se firmou como superpotência

    20/12/2017 02h00

    A China, goste-se ou não, continua a crescer muito forte. Não mais a taxas de 12%, como há 15 anos, mas alguma coisa entre 6,5% e 7% a partir de uma base de 13 trilhões de dólares.

    De acordo com cálculos do FMI, que às vezes mede o PIB dos países pelo critério de poder de paridade de compra, a China já é a maior economia do mundo, o que significa um eclipse tão importante nas relações econômicas internacionais que a última vez que a gente tinha observado alguma coisa semelhante foi 1871, quando os EUA ultrapassaram o Reino Unido.

    AFP - 6.dez.2017
    Foto aérea mostra sistema de carregamento automático de contêineres en navios no porto de Yangshan
    Foto aérea mostra sistema de carregamento automático de contêineres em navios no porto de Yangshan

    Neste 2017 que termina, reforça-se uma outra constatação: os Estados Unidos não são mais hegemônicos. São protagonistas, mas ostentam tal condição ladeados pela China. Tem gente que brinca que não se pode mais falar em "Brics", mas em mais 'C + bris".

    Os chineses estão tomando muito cuidado para que sua indiscutível categoria de superpotência não lhes suba à cabeça. Buscam não demonstrar estrelismo, sem tentar impor liderança, por exemplo, naquelas instituições que foram criadas pelos Brics.

    Fazem isso de maneira muito sutil. É o caso do Novo Banco do Desenvolvimento (NBD) e também de outras instituições onde os chineses são o principal ator, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

    Algo que nos ajuda a explicar essa postura chinesa está presente numa frase famosa do Deng Xiaoping, grande arquiteto dessa nova fase da China há 40 anos: "hide your strengths, bite the bullet, gain time". Ou seja, esconda suas forças, engula sapos, aceite passar por dificuldades, ganhe tempo.

    Quer dizer, os chineses estão em uma estratégia de longuíssimo prazo, em que a ascensão precisa ser vista mais como natural do que imposta. Eles gostam muitas vezes de aparecer como país em desenvolvimento, não se desvinculando, por exemplo, na ONU, da agenda dos africanos ou da Ásia mais pobre.

    Quanto mais países possam se vincular institucionalmente a processos em instituições pluri ou multilaterais onde a liderança chinesa é potente, isso é melhor para a Pequim. Isso é especialmente interessante debaixo do guarda-chuva do NBD, pois isso dá à China um veículo que não tem as mesmas amarras geográficas a que se prende o Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento.

    O Banco Asiático só vai fazer investimentos na Ásia, ao passo que o Novo Banco de Desenvolvimento pode investir em projetos na América Latina, na África, em outras localidades, o que dá à China não só maior espaço de manobra, mas também uma certa indireção que eles tanto apreciam em sua cultura como na política externa.

    O que essa China superpotência quer com o Brasil? Bem, o mais correto é notar que as relações econômicas bilaterais passam por um momento inercial.

    Do ponto de vista comercial, continua muito parecida com aquela que os países latino-americanos mantinham com a Inglaterra no século 19. Ou seja, por uma lado, grande exportadores de matérias-primas; por outro, um exportador de bens manufaturados de mais valor agregado.

    Isso deve continuar. A China tem enormes preocupações com segurança alimentar, precisa mais ainda das commodities minerais para seus projetos de infraestrutura.

    O que seguramente foge da inércia é aumento perceptível do investimento chinês no Brasil, sobretudo na forma de aquisição de bens, como as chamadas "fusões e aquisições".

    Para empresas chinesas que quiseram ter uma pegada global durante um período recente, o momento para a investida é agora. E os chineses vão entrar com tudo também nessa dinâmica de privatizações e concessões, sobretudo quando ficar claro qual será o cenário político brasileiro a partir das eleições de 2018.

    Eles estão com o dedo no gatilho para mais investimentos no Brasil em várias áreas, praticamente todo o segmento da infraestrutura está sendo examinado pelos chineses.

    No âmbito da geopolítica global, não é correta a interpretação de que a consagração de Xi Jinping na China em 2017 simplesmente responde à chegada ao poder de Donald Trump.

    Mesmo se Hillary Clinton fosse eleita presidente, todos teriam de reconhecer que a China se consolida como uma das duas maiores potências do mundo —e a hipertrofia do poder chinês é perceptível em diversas áreas das relações internacionais.

    A China está aumentando muito sua função como fonte irradiadora de capital e de empréstimos externos. Pequim também expande seus investimentos em 12% ao ano na área de defesa.

    Tudo isso independe de quem está no poder nos EUA. Agora, é claro, isso foi ainda mais realçado pelo fato de que essa ascensão chinesa se deu contemporaneamente à chegada à Casa Branca de um presidente protecionista, avesso à globalização.

    Se a globalização foi o grande trampolim que permitiu essa prosperidade da China e o livre comércio supostamente é a melhor saída para os problemas internacionais, os EUA entraram na contramão de tendência. Nesse empalidecimento da hegemonia norte-americana, 2017 foi marco definitivo de que a China tomou assento à mesa dos que comandam o mundo.

    marcos troyjo

    Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas.

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