• Colunistas

    Wednesday, 08-May-2024 21:21:24 -03
    Marcus Melo

    Reforma em Bruzundanga

    09/10/2017 02h00

    Getty Images/BBC-Brasil
    Plenário do Congresso
    Plenário do Congresso

    Em Bruzundanga, conta-nos Lima Barreto, "de há muito que os políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elemento perturbador -o voto". Para evitar "o trabalho infernal na apuração" os mesários "lavravam as atas conforme entendiam e davam votações aos candidatos, conforme queriam".

    O "elemento perturbador" -o voto- também foi objeto de intensa preocupação por parte dos parlamentares na reforma política atual. Como fraudes não são viáveis, os parlamentares voltaram-se para insular ainda mais os representantes dos representados com a criação de um fundo bilionário de campanha. Com ele busca-se mitigar os custos reputacionais brutais que acumularam. Ele reflete o fosso aberto entre a sociedade e seus representantes: e terá que ser tanto maior quanto mais desmedido for o hiato entre os dois. Ele não é o "custo da democracia", mas o custo da disrepresentação.

    A proposta inicialmente previa um sistema misto alemão para 2022 e lista fechada em 2018, como regra de transição. Mas esse dispositivo conflitava com muitos interesses e o distritão surgiu como solução para a lista fechada.
    Mas ele contrariava sobretudo o PT por seu impacto negativo sobre as siglas partidárias e por favorecer candidaturas individuais.

    Para o PMDB, a combinação distritão-fundo era ótima e o PT entendeu que era o preço a pagar para garantir o essencial, o fundo. Com a proibição das doações empresariais o partido estava no mato sem cachorro, ou melhor: no mato sem caneta para assinar contratos, autorizações e nomeações. E o contrafactual importa: teria havido reforma sem o choque dessa proibição?

    Mas esqueceram de combinar com os russos. Tinha russo na opinião pública, no centrão, na mídia. A nossa hiperfragmentação partidária chegou a um ponto em que gerou "veto players" para as mudanças. Inclusive as indesejáveis.

    O plano acabou não dando certo. A elevada incerteza política atual criou um viés pró status quo. E a Bruzundanga não é mais a mesma! Os russos da opinião pública multiplicaram-se e adquiriram certa musculatura.

    Conseguiram mitigar os estragos mas não infligir uma derrota: o fundo acabou sendo criado, mas com rubricas existentes. A cláusula de barreira e veto às coligações proporcionais passaram. Salve!

    A reforma política aprovada por Congresso disfuncional -com exceção do timing e do fundo- é a ideal para muitos especialistas. Na realidade, eles já previam esse resultado: reformas com custos concentrados e benefícios difusos só são viáveis quando diferem no tempo seus efeitos. Ou compensam os perdedores. A crise de representação exige mudanças já, mas elas só começam em 2022! E tem um fundo no meio do caminho!

    marcus andré melo

    Doutor pela Sussex University, é professor titular de ciência política da UFPE. Escreve às segundas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024