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    Marcus Melo

    Os amigos da corrupção são mais poderosos do que os sócios da inflação

    11/12/2017 02h00

    Jorge Araújo - 29.mar.2016/Folhapress
    Sergio Moro (dir.) participa de simpósio com Peircamillo Davigo, criador da Operação Mãos Limpas
    Sergio Moro (dir.) participa de simpósio com Peircamillo Davigo, criador da Operação Mãos Limpas

    O "New York Times" saudou a promulgação da constituição de 1988 como um grande avanço para o país. E também enunciou a questão central com que os brasileiros haveriam que se defrontar: "como pôr a constituição em operação em um país com corrupção desenfreada, inflação sem controle e vastas desigualdades sociais". Em retrospecto, a conjetura mostrou-se verdadeira.

    Quase 30 anos depois, o saldo é favorável: a inflação está sob controle, a pobreza diminuiu, a desigualdade reduziu-se (embora menos do que se esperava) e a corrupção vem sendo combatida de forma inédita. A corrupção era o elo que faltava na tríade que o jornal apontou como nosso dilema institucional.

    É verdade que o descontrole fiscal tornou-se o problema econômico central que parecia sob controle. Retrocesso importante, haja visto a Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada em 2000 e a redução progressiva na relação dívida/PIB.

    Mas a corrupção ocupa hoje o espaço anteriormente ocupado pela inflação e hiperinflação na agenda pública. Tal como a inflação, os diagnósticos sobre as causas da corrupção são disparatados. Incluem, em diagnósticos superficiais, fatores como a herança lusa ou o jeitinho brasileiro.

    Como a inflação, a corrupção também tem amigos nas altas esferas do poder.

    A hiperinflação derruba governos, escândalos de corrupção também o fazem, mas, algumas vezes, deixam de fazê-lo. Nossa experiência recente é emblemática. Mais importante: a corrupção atinge o cerne da democracia representativa e para controlá-la é preciso punir em larga escala, o que implica sentenças de prisão e confisco patrimonial em escala nada trivial.

    A magnitude da punição e o número de envolvidos no país encontra um equivalente funcional apenas em situações de ruptura revolucionária. Não há registro de democracias em seu funcionamento ordinário que enfrentaram desafios dessa monta.

    O historiador do futuro provavelmente caracterizará esse nosso período como uma espécie de Era Progressista brasileira, associada nos EUA, entre outras coisas, ao desmonte no período 1890-1920, das máquinas políticas municipais corruptas.

    Os sócios da corrupção são mais poderosos do que os amigos da inflação: eles estão investidos de poder que pode ser manejado para subverter o seu controle.

    Difundiu-se o mito no Brasil de que a Mani Pulite (Operação Mãos Limpas) na Itália não produziu efeitos de longo prazo: as evidências empíricas robustas apresentadas por Miriam Golden, professora da Universidade da Califórnia, mostram o contrário. Pode-se arriscar uma conjetura semelhante entre nós.

    marcus andré melo

    Doutor pela Sussex University, é professor titular de ciência política da UFPE. Escreve às segundas.

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