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    Mariana Lajolo

    O exemplo vem de canoa

    24/07/2015 02h00

    Um rio deu ao Brasil quatro medalhas no Pan de Toronto, duas delas de ouro. Um rio só. Igual a centenas de outros que correm pelo país.

    Mas o que há de tão especial nessa água? Não é nenhum ingrediente mágico. Apenas tradição, senso de oportunidade e persistência.

    O rio de Contas, no sul da Bahia, banha as cidades de Ubaitaba, Ubatã e Itacaré. Ali nasceram e se descobriram atletas Isaquias Queiroz, Erlon Silva e Valdenice do Nascimento, responsáveis por quatro dos nove pódios da canoagem velocidade, melhor campanha do país em Pans.

    As canoas são parte do cotidiano desses atletas desde cedo. Eram usadas pelos índios e, mais tarde, tornaram-se meio de transporte em suas cidades. Para as crianças, eram também brincadeira.

    Em Ubaitaba (21 mil habitantes), a canoa virou esporte em 1985. Em 1990, atletas locais que já se destacavam em nível nacional passaram a organizar e disseminar a canoagem na região. Mesmo com equipamentos improvisados, canoas velhas e fazendo vaquinha para competir, começaram a chamar atenção.

    Em 2005, o Ministério do Esporte iniciou o programa Segundo Tempo na cidade (já encerrado). Para os pais, era a chance de deixar os filhos em segurança enquanto estavam no trabalho. Para as crianças, foi a abertura de uma nova perspectiva.

    Isaquias começou a remar aos 11 anos no programa. Desistiu de ser jogador de futebol para se tornar bicampeão mundial de canoagem.

    Esse pequeno pedaço de terra no sul da Bahia já tinha sua tradição. A canoa estava no DNA das cidades. A iniciativa dos atletas pioneiros chamou atenção para o fenômeno que acontecia ali. E um programa minimamente organizado ajudou talentos a florescerem.

    Os jovens que remam no rio de Contas ainda têm dificuldades. A região é pobre e falta incentivo. É preciso persistência para continuar a treinar em condições bem distantes do ideal. Mas eles não param.

    A cada quatro anos, os cartolas falam em fazer bonito na Olimpíada. Invariavelmente surge a pergunta: Qual a fórmula para se tornar uma potência? Hoje importamos técnicos, atletas, treinamos fora do país. Tudo isso é importante, mas não garante sucesso a longo prazo.

    Cada grande potência esportiva tem sua receita. Mas, invariavelmente, tudo começa na infância, dando condições para crianças praticarem esportes desde cedo. Esportes, no plural. Vários, sem pressão. Depois, ao longo da vida –e de preferência na escola– as habilidades ficam mais claras e a especialização começa. E, de uma base enorme de praticantes, serão pinçadas algumas centenas de atletas olímpicos.

    Não é preciso ir longe para entender essa equação. Basta olhar para aquele pequeno pedaço de terra no sul da Bahia. Dê às crianças a chance de descobrirem o esporte e de praticá-lo de forma organizada. E, lá na frente, você poderá colher medalhas.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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