• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 18:49:33 -03
    Mariana Lajolo

    Muitas nuvens, um raio

    21/08/2015 02h00

    Não é só a poluição de Pequim que pode atrapalhar o clima do Mundial de atletismo. Sobre o estádio Ninho de Pássaro paira também uma nuvem negra, que deixa o ar pesado.

    Às portas de um campeonato desse porte só se fala do que acontece fora das pistas. A Iaaf (federação internacional de atletismo) acaba de divulgar 32 casos de doping descobertos após amostras dos Mundiais de 2005 e 2007 terem sido retestadas. Ainda recai sobre a entidade a suspeita de ter acobertado milhares de resultados suspeitos.

    Um esporte que já atravessou vários escândalos sem tomar decisões enérgicas parece estar diante de um novo caso grave. E, dessa vez, parece impossível achar uma saída fácil.

    A Iaaf acaba de eleger Sebastian Coe como presidente. O lorde britânico, medalhista olímpico, que comandou a organização dos Jogos de 2012 e é feroz crítico dos trapaceiros. Caberá a ele apagar o incêndio.

    Mas as ações nos bastidores não serão suficientes se a vitrine do esporte continuar suja. E essa mancha pode respingar na prova mais nobre do atletismo.

    Só a tradição já bastaria para todos os olhos do mundo se voltarem para a pista de Pequim quando os atletas iniciarem a disputa dos 100 m rasos. Mas a importância da corrida deste ano supera o peso da tradição. O que acontecer no Ninho de Pássaro pode provocar um trauma que o atletismo deverá ter dificuldade para superar.

    De um lado, Usain Bolt. O homem mais rápido do mundo. O showman, garoto-propaganda do atletismo mundial, ídolo carismático e embaixador do esporte. Jamais flagrado em um exame de doping.

    Do outro, Justin Gatlin. O homem mais rápido do ano. Com duas condenações por doping na bagagem.

    Gatlin correu quatro vezes nessa temporada abaixo de 9s8, tempo que Bolt não conseguiu alcançar. Irreconhecível, o jamaicano tem colecionado más apresentações e teve de lidar com contusões. Assim, abriu espaço para o rival brilhar.

    O norte-americano reencontrou a boa fase justamente aos 33 anos, uma idade em geral já avançada para velocistas. Bolt, que completa 29 anos nesta sexta-feira (21), atingiu sua melhor marca aos 22 anos. Em média, os corredores das provas de velocidade chegam ao pico de suas performances aos 26.

    Gatlin está mais veloz atualmente do que quando conquistou as medalhas de ouro nos 100 m rasos na Olimpíada de Atenas, em 2004, e no Campeonato Mundial, em 2005 –no ano seguinte, seu caso de doping veio à tona.

    O enredo desse duelo tem duas histórias de superação: a do atleta dopado, que tenta se reerguer após cumprir sua pena; e a do fenômeno que supera dores, má fase e desconfianças para voltar ao topo.

    É bom que ambas sejam contadas. Mas no final feliz do atletismo só cabe um atleta apontando para o céu e imitando um raio.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024