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    Mariana Lajolo

    Novo patamar

    11/09/2015 02h00

    Pouco mais de dez anos atrás, um cartola costumava dizer que a confederação olímpica que presidia ganhava uma sede nova cada vez que ele trocava de carro. Não era só piada. Todos os documentos administrativos ficavam mesmo no porta-mala.

    Uma realidade que hoje soa até como fantasia. O esporte brasileiro tem dinheiro. Umas entidades ganham mais, outras menos, mas todas têm formas para buscar recursos: Lei Piva, lei de incentivo fiscal, convênios, patrocínios privados e estatais. Ninguém mais vive dentro do carro.

    Os atletas de elite também nunca tiveram tantas oportunidades, de bolsas do governo a patrocínios particulares. Quem alcança hoje a elite do esporte pode conseguir treinar em alto nível (friso aqui: a elite! Ainda há uma imensa quantidade de esportistas sem condições decentes no país).

    Num cenário como esse, se torna ainda mais emblemático o imbróglio vivido pela canoagem no evento-teste da Rio-2016, na semana passada. Liderada por Isaquias Queiroz, dono de três ouros em Mundiais, os atletas da seleção cruzaram os braços. Não entrariam na água com o logo do BNDES no uniforme enquanto o patrocinador não acertasse o repasse da verba devida. Reclamavam também das condições de hospedagem para eles e seu técnico.

    O esporte brasileiro atingiu um novo patamar, para o qual os dois lados têm de estar preparados: dirigentes e atletas.

    A maior parte da verba que chega ao esporte hoje passa pelas mãos dos cartolas. E eles precisam ser transparentes no uso do dinheiro público e na explicação de seus critérios e decisões. O presidente da confederação de canoagem disse que em nenhum momento os atletas ficaram desassistidos graças a um acordo com o COB. É verdade. Mas a questão aqui não é mais de assistência. Os atletas de elite são profissionais, e as relações de trabalho com eles devem ser tratadas dessa forma.

    A frase de Nivalter Santos resume tudo: "A gente não está passando fome e não está sem dinheiro. A gente está aqui para protestar contra as coisas erradas."

    Mas os mesmos atletas que têm direito e dever de reivindicar respeito e transparência também precisam estar prontos para esse novo patamar. Quanto maior o nível, maior a cobrança. Ainda hoje, quando confrontados, muitos competidores que são bem assistidos explicam os maus resultados pela falta de estrutura. Não é bem assim.

    A vida de um atleta é sacrificada, exige renúncias, esforço físico e psicológico. Mas não é por isso que ele não deve ser cobrado quando não atingir os resultados que tem todas as condições de conseguir. A vida de um médico também é difícil, mas ele não deixará de ser questionado quando errar um diagnóstico.

    Na elite do esporte, a fase do chororô já devia ter passado, para cartolas e atletas.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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