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    Mariana Lajolo

    Os sem Olimpíada

    25/12/2015 00h01

    Imagine ser um atleta de elite, treinar durante anos, abdicar de sua vida pessoal para ser cada vez melhor. E, com a vaga olímpica ao alcance das mãos, prestes a realizar seu maior sonho, ser impedido de competir.

    Não por uma limitação física ou técnica, nem por problemas pessoais. Mas sim por algo alheio a você, por decisões que outros tomaram.

    No ano que vem, isso pode acontecer com os russos.

    O atletismo do país foi suspenso de competições internacionais devido a um escândalo de doping sem precedentes. Uma punição dura e justa, que busca forçar a Rússia a melhorar seu controle antidoping. Mas que atinge também esportistas que podem estar limpos.

    Este é o argumento que Ielena Isinbaieva, duas vezes campeã olímpica do salto com vara, deve usar para pleitear competir sob a bandeira olímpica na Rio-2016 caso a punição ao atletismo russo não seja encerrada até agosto.

    Disputar os Jogos como independente é uma forma de evitar um trauma já vivido por muitos atletas. Gerações inteiras perderam a chance de buscar a glória olímpica graças a decisões que nada tinham a ver com o esporte.

    Você provavelmente sabe quem é Usain Bolt. Mas dificilmente ouviu falar de Eulace Peacock.

    Este norte-americano poderia ter se tornando a lenda do esporte que precedeu o jamaicano. Mas foi barrado pela guerra.

    Nos anos 30, Peacock era um dos principais velocistas do mundo, o grande rival de Jesse Owens. Nos Jogos de 1936, não foi a Berlim por causa de uma contusão. Seu adversário foi e fez história.

    Peacock nunca teve chance de dar o troco. Por causa da Segunda Guerra Mundial, as Olimpíadas de 1940 e 1944 foram canceladas. Ele continuou a atingir grandes resultados em casa, mas sem o peso de uma medalha olímpica, seus feitos foram esquecidos. Owens é lembrado e muito festejado até hoje. A historia de Peacock você pode ter conhecido só agora.

    Decisões políticas também acabaram com sonhos de muitos esportistas, como os de Craig Beardsley.

    Até hoje este norte-americano sofre para explicar o que aconteceu em sua carreira. Ele não foi aos Jogos de Moscou, em 1980. Mas, alguns dias antes da final dos 200 m borboleta, havia quebrado o recorde mundial da prova, que lhe pertenceu até 1983. Não se sabe se teria sido campeão olímpico ou não, mas o que lhe dói é não ter tido a chance de tentar.

    Beardsley é um dos muitos atletas atingidos pelo boicote aos soviéticos liderado pelos EUA.

    Don Paige é outro. Ele detinha a melhor marca do ano nos 800 m em 1980, era forte candidato ao pódio e até hoje não assistiu ao vídeo da final que não pôde disputar.

    Outros perderam a oportunidade de estender seu domínio por diferentes épocas. O presidente do COI, o alemão Thomas Bach, sabe bem como é se sentir assim. Campeão da esgrima por equipes em 1976, ficou fora da disputa pelo bi.

    Quatro anos mais tarde, foi a vez de os soviéticos deixarem uma geração perdida ao boicotarem Los Angeles.

    Com o fim da Guerra Fria e a transformação do esporte em uma atividade extremamente profissional, que movimenta bilhões, é difícil imaginar novos boicotes como esses.

    Mas ainda existem muitos atletas que estão impedidos de defender suas nações por viverem em zonas de conflitos ou em países que não têm reconhecimento político. Estes encontram abrigo sob a bandeira olímpica. A Rio-2016 pode inaugurar uma nova era em que o doping também seja motivo para a busca por refúgio.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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