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    Mariana Lajolo

    Pode dar uma voltinha?

    08/01/2016 02h00

    Um repórter pega o microfone, vira-se para Michael Phelps e dispara durante uma entrevista: "Remover os pelos do corpo lhe dá vantagem na piscina. E na vida amorosa?" Sorrisos amarelos.

    Outro pede para Russell Westbrook, jogador de basquete dos EUA, após um jogo da NBA: "Pode dar uma voltinha para mostrar sua roupa?". O jogador franze o rosto todo e dispara, contrariado: "O quê? Do que você está falando, cara?"

    Parece pegadinha.

    Nos esportes femininos não é. Perguntas como essas são constantemente disparadas às atletas. E, muitas vezes, substituem os questionamentos sobre o desempenho esportivo. É como se o que está além da quadra, da pista ou da piscina fosse mais importante quando tratamos de mulheres no esporte.

    A última Olimpíada mostra o contrário. Em Londres, após intensa campanha do COI (Comitê Olímpico Internacional) e muita pressão, pela primeira vez todos os países enviaram representantes do sexo feminino. Só para lembrar, os Jogos começaram em 1896, na Grécia, um "Clube do Bolinha" –insistentes, as mulheres quebraram a barreira já em 1900 e estrearam em Paris.

    Na Olimpíada de 2012, também de forma inédita, elas competiram em todos os esportes e foram 44% do total de participantes. Dos dez países mais bem colocados no quadro de medalhas, quatro tiveram melhor desempenho feminino, entre eles os líderes China e EUA.

    O COI continua a buscar maior inclusão feminina no esporte. Na Rio-2016, espera chegar finalmente a 50% de mulheres em ação.

    O número cresce, o desempenho se torna cada vez melhor. Elas ganham dinheiro, fama e respeito. Mas por que, em muitos casos, tudo isso não é o assunto mais importante, mais do que seus corpos, sua vida amorosa ou a roupa que usam?

    As questões do início do texto foram tiradas do vídeo criado para a campanha #CoverTheAthlete (covertheathlete.com), que quer ajudar a mudar foco da mídia na cobertura das modalidades femininas.

    #CoverTheAthlete

    Ela é semelhante à #AskHerMore, que pedia aos jornalistas no tapete vermelho do Oscar para irem além das perguntas sobre os vestidos.

    No vídeo, vários atletas respondem a questionamentos indiscretos ou reagem a citações sobre sua beleza e seus corpos. As perguntas (infelizmente) não foram realmente feitas aos homens. Os organizadores da campanha editaram o vídeo juntando questões já formuladas às mulheres a reações dos atletas em algumas entrevistas.

    Também colocaram narrações de torneios femininos em eventos masculinos. Uma delas mostra o narrador alertando o espectador para se preparar para ver "belos bíceps, barrigas saradas e muito mais" enquanto jogadores de vôlei de praia se cumprimentam na quadra.

    Tem cara de pegadinha. E a não ser que fosse mesmo uma brincadeira, dificilmente –para não cravar que isso não aconteceria jamais– você veria repórteres, narradores ou comentaristas fazendo aquelas perguntas ou comentários para esportistas do sexo masculino.

    Um dos casos que desencadeou a campanha foi a entrevista da tenista canadense Eugenie Bouchard, após ela ter massacrado uma rival no Aberto da Austrália. O repórter pediu que ela desse uma voltinha e falasse sobre seu "look". Dá para imaginar alguém pedindo isso para o Roger Federer?

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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