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    Mariana Lajolo

    Campeões (só que não)

    29/01/2016 02h00

    Parecia cena de filme de espiões. Sentado em uma mesa da praça de alimentação do aeroporto de Atlanta, em frente a um restaurante chinês, Adam Nelson esperava por um homem que não conhecia. O estranho chegou, sentou-se, colocou uma caixa sobre a mesa e a empurrou em sua direção. Nelson fez o mesmo, sacou sua caixa da mochila e a entregou ao homem.

    Estava feito: Adam Nelson acabara de se tornar oficialmente um campeão olímpico. Pediu uma porção de batatas fritas para celebrar.

    Foi assim que o ex-atleta norte-americano finalmente conseguiu a medalha de ouro que lhe pertencia. Nos Jogos de Atenas-2004, ele havia terminado na segunda colocação no arremesso de peso. O ucraniano que o derrotou, no entanto, estava dopado. Com a descoberta tardia, a injustiça só foi corrigida nove anos depois.

    É claro que Nelson esperava se tornar campeão olímpico de outra maneira. Em sua cerimônia de premiação não foi tocado o hino nacional nem hasteada a bandeira. Não houve choro no pódio nem foram ouvidos os aplausos da torcida.

    Mais difícil ainda do que receber o ouro na praça de alimentação de um aeroporto foi ter consciência de tudo o que havia perdido antes disso. O ex-atleta estima ter deixado de ganhar US$ 2 milhões em contratos publicitários, patrocínios e outros negócios que surgiriam a reboque da conquista olímpica.

    A medalha de ouro é um símbolo poderoso. Mas não é o objeto que transforma a vida de um campeão. Ao subir ao topo do pódio, sob o olhar de bilhões de pessoas ao redor do mundo, o esportista ganha um novo status. As empresas passam a querer associar suas marcas a ele. Convites para eventos e programas de TV disparam. Vencer uma Olimpíada pode ser o divisor de águas de uma carreira.

    O revezamento brasileiro 4 x 100 m medalhista de prata nos Jogos de Sydney-2000 conhece bem esse sentimento. A equipe foi derrotada pelos EUA. Mais tarde, foi descoberto que Tim Montgomery havia corrido dopado. Ele participou apenas das eliminatórias da prova, e o time norte-americano não perdeu o ouro.

    Mesmo que tivessem recebido a medalha dourada após o doping, os brasileiros já sabiam o que haviam perdido. Em 2008, após assistir à festa da saltadora Maurren Maggi ao se tornar campeã na Olimpíada de Pequim, Edson Luciano, um dos integrantes do quarteto, resumiu o sentimento dos atletas: "Esse ouro seria na hora errada".

    Com o incremento da cruzada contra o doping, casos como o do revezamento brasileiro e o de Nelson devem se tornar cada vez mais comuns. As entidades de controle têm mantido amostras de urina e sangue de atletas na geladeira para serem examinadas anos depois. A ideia é aproveitar a evolução dos testes para flagrar trapaceiros que escaparam ilesos no passado.

    Em 2015, por exemplo, a federação internacional de atletismo refez exames dos Mundiais de 2005 e 2007 e encontrou resultados adversos em 32 deles. Em 2012, já havia reexaminado outras amostras e suspendido seis competidores.

    Se há dopados que não foram punidos, há medalhistas que não subiram ao pódio. E boa parte deles têm de esperar um longo processo para tentar receber seu prêmio. Apenas o símbolo. As oportunidades que chegam com a medalha, infelizmente, já terão ficado no passado.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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