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    Mariana Lajolo

    Quanto vale o show?

    25/03/2016 02h00

    A final de Indian Wells deveria ter sido a celebração da volta de Serena Williams após 14 anos. E foi. Lágrimas nos olhos, ela agradeceu ao carinho do público que um dia lhe foi hostil, com vaias e ofensas racistas.

    Era o desfecho perfeito –quase, já que Victoria Azarenka venceu. Até que a tenista deixou a quadra e soube das declarações de Raymond Moore, CEO do campeonato.

    Em uma de suas pérolas, ele afirmou que, se fosse uma tenista, ficaria de joelhos todas as noites e agradeceria a Deus por Roger Federer e Rafael Nadal terem nascido, já que eles carregam o esporte nas costas.

    É inegável que o tênis masculino movimenta mais dinheiro e atrai mais atenção. Mas ignorar o que as mulheres têm feito, principalmente Serena Williams, é, no mínimo, falta de boa vontade. Ou algo pior. Como mostra outro comentário do dirigente. Ele disse que há novas jogadoras "atraentes" vindo por aí. Ao falar atraente, não citava só as habilidades delas com a raquete.

    Você acha possível ouvir o CEO de qualquer campeonato importante festejar uma nova geração de homens fisicamente atraentes?

    Não acontece. Este tipo de declaração só é feita quando o assunto são mulheres. É o velho papo: querem Sharapovas, e não Serenas, masculina demais, negra demais. Ninguém vive te lembrando do quanto Roger Federer é sexy (atenção: contém ironia). Para ele e um monte de outros tenistas nada bonitos, basta ser bom.

    O comentário de Moore não apenas ignora o que atletas fazem hoje como ofende outras, como Steffi Graf, Martina Hingis, Martina Navratilova e Monica Seles, só para citar alguns nomes. Se há ajustes a serem feitos, terreno a ser conquistado, não serão falas como essas que irão ajudar.

    A polêmica foi inflada por Novak Djokovic, que pediu prêmios maiores para o tênis masculino. Aqui cabe uma explicação. A maioria dos torneios é feita por duas entidades distintas: ATP (homens) e WTA (mulheres). A primeira é maior e mais mais influente. Também paga mais.

    Mas quando se fala em igualdade de prêmios, o tênis não está discutindo esses circuitos, nem publicidade, cachês e afins. O ponto são os Grand Slams, que têm jogos masculinos e femininos juntos e são organizados pelos países que os recebem, sob supervisão de federação internacional.

    A igualdade nos Grand Slams é fruto de uma longa batalha. Começou com o Aberto dos EUA, em 1973. A Austrália só aderiu em 2001, e Roland Garros, em 2006. O último foi Wimbledon, um ano mais tarde.

    O argumento de Djokovic é que os homens atraem mais gente aos Slams. É difícil confirmar o que o sérvio diz. Mas mesmo que seja verdade, bater nessa tecla é insistir que o valor do que está em quadra só pode ser medido pela quantidade de dinheiro que irá gerar. E o esporte não deve ser reduzido a isso.

    Dezenas de outras modalidades pagam prêmios iguais aos dois sexos, o que conta é a medalha ou o quão longe o atleta chega na competição. No Mundial de atletismo-2015, por exemplo, cada ouro rendeu US$ 60 mil. O de Usain Bolt tinha o mesmo valor do conquistado pela alemã que venceu o arremesso de martelo. Sabe quem é ela?

    O tênis já andou para frente e dá um pequeno exemplo de que a valorização pode ser igual mesmo que os atores em quadra sejam diferentes. Não é hora de voltar para trás.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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