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    Mariana Lajolo

    Onde futebol é coisa de mulher

    01/04/2016 02h00

    Ainda hoje, no Brasil, não é difícil encontrar quem diga que futebol não é coisa de mulher.

    Nos EUA é diferente. O futebol que mais desperta a paixão dos norte-americanos é aquele jogado com as mãos. Com a bola nos pés, eles ainda são fracos. Elas não. Futebol (ou "soccer") lá é um território também feminino. As meninas podem aprender a jogar desde cedo e não enfrentam tantos olhares tortos quando calçam as chuteiras.

    Não à toa, o país tem uma das melhores seleções do mundo.

    A equipe venceu a Copa do Mundo três vezes -a masculina chegou, no máximo, às quartas de final.

    Sabe o ouro olímpico que a equipe de Dunga buscará desesperadamente na Rio-16? Elas têm quatro.

    O time masculino dos EUA ganhou uma prata e um bronze dos Jogos de 1904. Naquele ano, três clubes (clubes mesmo, não seleções) disputaram o torneio, e dois deles eram do país. A equipe não estará no Rio.

    O time de estrelas como Hope Solo e Alex Morgan não faz sucesso só dentro de campo. Na Copa de 2015, a final que rendeu o título à equipe colocou 30 milhões de pessoas de em frente à TV nos EUA, um recorde para jogos de futebol no país, masculinos ou femininos. A audiência foi maior do que qualquer jogo de playoffs da NBA ou futebol americano aos domingos à noite naquela temporada. Milhares de pessoas foram às ruas de Manhattan para assistir ao desfile das jogadoras e celebrar a conquista.

    Pois as atletas que ajudaram a seleção a atingir patamar tão alto brigam agora na Justiça para ganhar o mesmo que os colegas homens. A ação foi movida na Equal Employment Opportunity Commission, o órgão federal que aplica as leis de direitos civis contra a discriminação no trabalho. Elas querem que a US Soccer, a CBF deles, seja investigada.

    No ano passado, a federação registrou um ganho de US$ 20 milhões com suas seleções. As atletas atribuem o valor ao título mundial e ao tour da vitória pelo país. Os jogos da equipe renderem US$ 17,5 milhões, contra US$ 9 milhões dos homens.

    As jogadoras da seleção feminina são contratadas. Atletas top recebem até US$ 72 mil por ano (US$ 6 mil por mês). Os homens ganham por jogo. O prêmio por vitória é de US$ 17,6 mil, contra US$ 1,35 mil delas. Eles também levam US$ 5 mil se perderem uma partida. "Os números falam por si. Somos as melhores do mundo, e os homens ganham mais só para aparecer em campo do que nós por conquistarmos títulos", diz a goleira Hope Solo.

    Quando a discrepância de ganhos entre mulheres e homens no esporte é discutida, sempre vêm à tona questões sobre quem atrai mais público e gera mais dinheiro. Na maioria dos casos, a resposta é: os homens. Mas
    a seleção feminina dos EUA quebra este paradigma. Mais: tem resultados drasticamente superiores aos de seus colegas.

    Mesmo assim, ganha menos.

    O tratamento desigual dado por uma federação às suas modalidades masculina e feminina é prática comum. E, no mínimo, uma tremenda falta de visão. Esportes que passaram a focar os dois lados ganharam em dobro. O judô e o vôlei brasileiro são dois exemplos de proximidade nas condições dadas a homens e mulheres. O resultado são medalhas dos dois lados.

    As jogadoras de futebol dos EUA estão pedindo por igualdade de pagamento. Pelo que fazem em campo, podiam pedir mais.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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