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    Mariana Lajolo

    O custo de se manter no topo

    22/04/2016 02h00

    Pequim, 2008. Medalha de ouro pendurada no peito, cara de moleque, sorriso rasgado, Cesar Cielo dizia que todo sacrifício havia valido a pena. Anos distante da família, treinos exaustivos, rotina enfadonha em uma cidade pequena, longe de tudo.

    Todas a dores enfrentadas ficavam pequenas diante do feito que acabara de conquistar.

    Rio de Janeiro, 2016. Olhar triste, olhos vermelhos, Cielo ainda tentava entender o que havia acontecido. O mesmo sacrifício feito em nome de uma nova conquista parecia sem sentido. Ele havia feito o máximo. Nos últimos três meses, se fechou. Foi novamente para fora do país, treinou com intensidade, enfrentando dores, cansaço e dúvidas. Mas não era mais suficiente.

    Na mesma piscina que receberá os Jogos, era outro jovem quem tinha o sorriso rasgado e comemorava a vaga na Rio-2016.

    O esporte de alto rendimento cobra um preço alto por medalha. Com o passar do tempo, fica mais difícil pagá-lo. Você pode se dedicar, dar o máximo e simplesmente não ser suficiente. Na raia ao lado, há outro atleta fazendo o mesmo. Pode ser a vez dele.

    Cielo é um nadador talentoso, com uma capacidade mental de reagir a desafios que impressiona. Em 2012, teve os dois joelhos operados. Durante o difícil período de recuperação, chorava de dor e de medo de não conseguir voltar a fazer o que sabia na piscina.

    Menos de um ano depois, carregava no peito duas medalhas de ouro no Campeonato Mundial.

    Desta vez, no entanto, não foi tão simples voltar. E não apenas por conta do peso da idade, do corpo que, com o tempo, teima em não ser como antes.

    Outros velocistas já conseguiram manter uma carreira vitoriosa até a casa dos 30 anos –Cielo tem 29. Garry Hall Jr., dos EUA, era quase trintão quando se tornou bicampeão olímpico dos 50 m livre. O russo Alexander Popov ganhou dois ouros, nos 50 m e 100 m, no Mundial de 2003 com 31.

    Cielo trocou de técnico seis vezes neste ciclo olímpico (2013-2016) e, na última temporada, não conseguiu nadar bem. Os tempos não apareceram. Quando tentou mudar de novo os rumos e voltar para os EUA, o corpo não respondeu da mesma forma. O nado e a velocidade não saíam mais com facilidade como antes.

    Cielo é o nadador que mais vezes cumpriu os 50 m abaixo dos 22s, marca essencial hoje para quem sonha com uma final olímpica. Depois de 2014, isso se tornou raridade. E sem marcas expressivas no placar, é difícil ficar confiante.

    Na guerra psicológica dos 50 m livre, quem não tem confiança fica para trás. Ele não nadava mais como o campeão quase imbatível que foi por quase seis anos.

    Isso somado a novos talentos chegando com vontade de ganhar seu espaço fazem a não classificação de Cielo à Olimpíada estar longe de ser uma surpresa.

    Ele não é mais o garoto de 2008. Hoje, os sacrifícios pesam cada vez mais. E não só no corpo.

    Cielo sempre nadou para ser o mais rápido. Bater a mão na parede antes dos adversários sempre foi seu combustível. E ele não sente essa satisfação desde o fim de 2014.

    Agora terá tempo para descansar e rever suas escolhas. Talento e capacidade ele ainda tem. Agora é necessário conviver com as limitações e tentar resgatar o sorriso e a vontade daquele garoto de 2008.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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