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    Mariana Lajolo

    Vai ter Olimpíada

    06/05/2016 02h00

    A chama olímpica chegou ao Brasil. E, de repente, o que estava adormecido acordou. Os olhos se abriram. Sim, vai ter Olimpíada.

    Os primeiros minutos do revezamento da tocha em Brasília nos ajudaram a lembrar disso. E de tudo o que virá à tona e ganhará atenção com a proximidade do torneio.

    As faixas a favor e contra o impeachment em diversas línguas, com críticas a patrocinadores ou pedindo a cabeça de Eduardo Cunha ajudaram a refrescar a memória: por mais que o Comitê Olímpico Internacional se esforce, não dá para separar a política do maior evento multiesportivo do mundo. A Olimpíada é uma vitrine, e todo mundo vai querer tirar uma casquinha, seja furando o cordão de seguranças para uma selfie com a tocha, seja para protestar e chamar a atenção do mundo para o que ocorre aqui.

    A presidente que acendeu a tocha pode ser não a mesma que anunciará a abertura dos Jogos Olímpicos em 5 de agosto. É impossível a competição não ser contaminada pelo andamento da política.

    Fabiana, capitã da seleção bicampeã olímpica de vôlei, sentiu bem isso. Viveu seu momento de emoção ao ser a primeira brasileira a carregar a tocha no país, mas também foi engolida por dezenas de manifestantes e curiosos, livres em meio a seguranças e organizadores perdidos. E era só a primeira das 329 cidades que receberão a tocha. Durante os Jogos no Rio, torcedores –e, quem sabe, manifestantes– chegarão aos milhares.

    Rahel Patrasso/Xinhua
    Presidente Dilma Rousseff acende tocha olímpica no Palácio do Planalto, em Brasília
    Presidente Dilma Rousseff acende tocha olímpica no Palácio do Planalto, em Brasília

    Nas redes sociais, as críticas pipocavam. Por que escolheram o surfista Gabriel Medina? Por que deixaram tantos ex-atletas olímpicos de fora? E tudo isso antes mesmo de Zezé Di Camargo e Luciano entrarem no revezamento.

    Mais uma ficha que cai: vai ter Olimpíada, e ela é um evento privado. A cidade e o país que recebem os Jogos podem aproveitar essa chance para transformar realidades, resolver problemas, celebrar o esporte. Mas os patrocinadores, que pagam parte da conta, querem também usar o evento para conseguir o que acreditam ser o melhor retorno de seu investimento. Será difícil –se não impossível– agradar a todos.

    Um exemplo bem bobo: tente entrar com comida própria nas arenas olímpicas. Não pode. O evento é feito para ser consumido, na lanchonete, na lojinha de souvenir, nas redes sociais, na tela da TV.

    No dia seguinte à chegada da chama ao Brasil, a campanha "It's a pênalti" lançou um vídeo sobre os Jogos do Rio. Com apoio de estrelas como Usain Bolt e David Luiz, nos lembra de outra face dos Jogos.

    Megaeventos esportivos atraem turistas, dinheiro e podem servir de facilitadores para o abuso e a exploração de menores. Sim, vai ter Olimpíada, e ela pode ser um risco para nossas crianças também.

    Um dos símbolos do legado olímpico do Rio de Janeiro, a ciclovia Tim Maia acabou desmantelada pelas ondas como se fosse feita de papel e deixou ao menos dois mortos. O projeto não previa o cálculo do impacto da água na estrutura. O mar, no Rio de Janeiro, que surpresa.

    Era apenas uma das dezenas de obras que estão sendo feitas pela cidade, incluindo as arenas que receberão milhares de pessoas durante pouco mais de duas semanas.

    Os nossos olhos e os olhos do mundo estão se abrindo mais para o que acontecerá no Rio em menos de cem dias. Será uma grande festa. E já é muito mais do que isso.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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