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    Mariana Lajolo

    Quando éramos rápidos

    15/07/2016 02h00

    Nem o sono constante que senti durante a Olimpíada de Sydney apagou aquela prova da memória. Os Jogos eram na Austrália, fuso horário trocado. Dia lá, noite aqui. Eu trabalhava em um site e tinha de dar os resultados em "tempo real". Resultado: três semanas trabalhando durante as madrugadas.

    Mas, na final do revezamento 4 x 100 m rasos, o sono deu uma trégua. Não sei se a profissão bagunça minhas lembranças, mas acho que naquela época os brasileiros acompanhavam mais o atletismo do que hoje, reconheciam aqueles quatro que correriam na pista australiana, falavam com alguma propriedade sobre a técnica de passagem do bastão. Era talvez algo semelhante ao que ocorreu com a ginástica no auge da Daiane dos Santos —quantas pessoas sabem mesmo o que é um duplo twist carpado? Mas sabem que ele existe.

    Quatro anos antes, em 1996, o mesmo revezamento havia conquistado um bronze. E Sydney parecia ainda mais promissor.

    O baixinho Vicente Lenílson abriu na raia 4. Edson Luciano recebeu em quinto e passou para André Domingos. Os EUA corriam à frente. Na última passagem, Claudinei Quirino recebeu em terceiro, passou um cubano e levou o Brasil à medalha de prata.

    Aquela equipe tinha um entrosamento incrível na pista. Quirino brinca que não precisava nem ser avisado da aproximação de Domingos para colocar a mão para trás na passagem de bastão. Se guiava pelo perfume do colega.

    Fora das raias, a harmonia não era tão boa assim. Havia muitas diferenças entre os quatro, mas ficavam fora das corridas. Ao menos das provas de revezamento.

    Aquela equipe foi a última oportunidade que os brasileiros tiveram de fazer parte desse seleto e nobre grupo olímpico: o dos homens mais velozes do mundo.

    O cenário das provas de velocidade do país hoje é triste. Apenas um atleta conseguiu índice para os Jogos do Rio, Vitor Hugo dos Santos. Ele fez a marca de 10s11 na última chance que teve para se classificar. O revezamento 4 x 100 m será formado por atletas que atingiram a marca mínima para correr os Jogos nos 200 m.

    Vitor Hugo comemorou a vaga. Mas seu tempo está longe de ser marcante. O recorde brasileiro da distância é 10s, de Robson Caetano, estabelecido em 1988.

    Nos Jogos de Londres-2012, o atleta que chegou em 15º lugar nas semifinais fez 10s11. Esse tempo é o 72º desta temporada.

    Vitor Hugo é jovem, tem apenas 20 anos, uma série de deficiências a serem superadas e pode quebrar essa barreira. Mas cresce em meio a um cenário que não parece promissor.

    Quase todo o atletismo brasileiro vive uma crise técnica, com resultados fracos e pouca perspectiva de melhora em curto prazo. As provas de velocidade fazem parte dessa crise.

    Na segunda semana dos Jogos do Rio, a atenção do mundo se voltará para a pista do Engenhão. Todos de olho em quem será o mais veloz. E os brasileiros, dessa vez, não devem produzir as mesmas lembranças como as que guardei 16 anos atrás.

    Mariana Lajolo

    Escreveu até setembro de 2016

    Foi repórter e editora-adjunta de "Esporte". Cobriu a Olimpíada de Pequim-2008 e de Londres-2012, os Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e Guadalajara-2011.

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