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    Mariliz Pereira Jorge

    Somos todos donos da verdade

    01/05/2014 03h00

    Tenho uma amizade que dura mais de 20 anos. Já discordamos sobre todo tipo de assunto. Sempre estivemos em lados opostos em questões políticas. Nunca brigamos. Na verdade, brigamos uma única vez por causa de homem. Claro. Falei que ela nem gostava do cara e o que estava doendo mesmo era orgulho ferido. Chorou, esperneou, me chamou de insensível. Uma semana depois disse que eu estava certa. Claro.

    Contabilizo poucas histórias de amizades desfeitas, daquele tipo "de mal para sempre", mas quase todas aconteceram em tempos de redes sociais. Por uma única razão: estamos cada vez mais chatos, prepotentes e arrogantes. A gente sabe tudo e o outro, que é um imbecil, não sabe de nada. Claro.

    Na vida real, risquei do caderninho o nome de uma bisca que dava em cima de um namorado. Mandei logo os dois pastarem juntos. Nesse tipo de bandalheira não compro a briga de ninguém.

    Mas no Facebook, deletei dois espíritos de porco que adoravam me atazanar. Não se tratava de discordar. Eles queriam provar por A+B que eu era uma idiota. Pode ser que eu seja, mas no meu terreiro escrevo as baboseiras que eu quiser. Posto selfie, foto de prato de comida, compartilho mensagens do Felix Bicha Má, chamo Michael Khors de cafona, reclamo da insônia, do calor e do frio, falo mal de quem eu bem entender. Problema meu. Claro.

    Claro, nada.

    Quem não pensa como você, se acha no direito de lhe dar lição de moral. Você faz uma piada, lá vem o pelotão dos bons costumes. Você discorda de alguém, vem outra patrulha. Está todo mundo virando o Feliciano, o Bolsonaro, e nem percebe. É muito chato fazer uma brincadeira, por pior que ela seja, e ter que explicar pra fulano que não sou homofóbica, racista, reacionária, ativista, budista, marxista, depravada, coisa nenhuma. Viva o mundo que a gente pode falar merda.

    Mas só estamos interessados nas nossas verdades, nas coisas que nós acreditamos. Eu respeito a sua opinião desde que ela seja a mesma que a minha. Claro.
    Claro uma ova.

    Sou do clube dos palpiteiros, tenho até carteirinha, mas também bato ponto com a turma do deixa disso. E na internet respeito regras que deveriam ser óbvias.

    - Não leve para o lado pessoal

    - Não compre briga

    - Leve na esportiva

    - Tenha senso de humor

    - Seja gentil mesmo quando quiser ser escroto

    Não é à toa que está todo mundo por aqui desta história de banana, não porque o movimento que se criou não tenha lá um recado positivo, mas porque virou uma pelada dos #somostodosmacacos contra um monte de hashtag do contra. E o que fica nessa história é que somos todos babacas.

    Se eu sou a favor da campanha acho que todo mundo tem ser também para mostrar que é contra o racismo. Se acho a campanha uma bobagem, logo sou superior e todo mundo é bobo por bancar o macaco imitando todo mundo. Não dá pra emitir opinião sem demonizar quem não pensa da mesma forma? Tudo tem que virar bandeira, discussão e cagação de regra?

    Muita gente ficou fora da discussão. Todos acocorados em cima do muro só olhando o pau comer. E saiu ganhando porque ficou quieto e anotou a opinião alheia no caderninho do foda-se.

    Queira a patrulha ou não, nessa brincadeira todos faturaram. Daniel. Neymar. Luciano. Dilma. O hortifruti –a banana está pela hora da morte. O meu dentista– que postou foto de banana para falar de clareamento dental. Faturou você, que encampou o #somostodosmacacos ou #somostodosbananas. Eu, que estou escrevendo sobre o assunto.

    A minha amiga, aquela de mais de 20 anos, nem tocou no assunto. Está mais preocupada em administrar os namorados que arrumou no Tinder. Bom pra ela. Bom pra todo mundo.

    Quando foi que nos tornamos tão chatos, caretas e donos da verdade?

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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