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    Mariliz Pereira Jorge

    Ciumentos e felizes para sempre

    11/09/2014 03h00

    As criaturas mais evoluídas para mim são as que não sentem ciúme. Não sou uma delas. É nessa hora que vai por terra a minha ilusão de ser uma pessoa sensata e equilibrada. Tenho ciúme da sombra, mas fiquei aliviada quando li um livro sobre o assunto da psiquiatra italiana Donatella Marazziti. Ela diz que o ciúme é inato. Todo mundo tem, mas alguns ficam obsessivos, paranóicos, sensíveis, ansiosos.

    Eu devo ser do tipo ansiosa. O meu ciúme nasce da imaginação, sofro sem motivo, com o desconhecido. Nunca me incomodei um tico com as amigas, conhecidas e colegas de trabalho dos namorados. Mas se não conheço, espumo.

    Meu marido fala há meses de sua parceira de frescobol, que ele não encontra há muito tempo. Não sei se é magra, gorda, vesga, loira, nada. Mas cada vez que ele toca no assunto tudo que eu vejo é a Ursula Andress saindo do mar de biquíni branco, segurando uma raquete. E babo de ciúme. O sentimento vem e vai embora rapidinho, mas é o suficiente para embrulhar o estômago. Engulo a baba, claro.

    Passei a detestar a Rihanna desde que descobri que ele a considera a mulher mais linda do mundo. Implico com as músicas, não sigo mais no Instagram e não admito nem morta que ela estava deslumbrante praticamente pelada na noite de uma premiação. Eu sei. Louca. Peguei birra.

    Depois que li a doutora Donatella, que eu já imagino loura, como a Versace, relaxei com a minha ciumeira. Quem tem cu, tem medo. E quem ama, cuida, caramba. Estou nas duas situações. Encaro a coisa toda como um detector de ameaças e acho mesmo que isso pode ser usado de forma saudável nas relações.

    Além do mais, nunca fiz barraco, a não ser em silêncio. Dentro do estômago já joguei copos na parede, roupas pela janela, celulares na privada. Só faço mentalmente, dói as entranhas, mas alivia e quase nem dá pra notar minha cara de bunda. E passa porque é ciúme bobo e inofensivo. Só não nego.

    Mas conheço gente que fica doente pela coisa. Vive em função, respira a vida do outro, quer saber onde, quando, de que jeito, o que comeu, o caminho que fez, checa o tanque de combustível, que horas foi ao banheiro, desde quando começou a tomar café. Não vive de amor, vive de sofrimento. Quer garantir pelo controle a certeza que não tem no coração. Vive o inferno de uma relação possessiva. Sufoca o amor e morre aos poucos de ansiedade e insegurança.

    Poucas vezes fui às vias de fato, lá num passado que nem quero mais lembrar. Coisinhas como vasculhar a carteira do fulano, checar as mensagens do celular, remexer emails ou ligar para todos os amigos do cafa quando ele não atendia o telefone. Não foi ciúme, foi desespero. Mulher quando quer saber uma coisa, descobre logo cinco. Banquei a maluca bisbilhoteira porque queria uma prova para o fim. Fim.

    Vergonha que dá. Quem aguenta viver sem a sorte de um amor, senão tranquilo, sincero?

    Meu marido não tem ciúme. Ele diz que não. Não é sinal de desamor. Eu sou grudenta mesmo, não deixo sentimentos duvidosos. Mas uma noite destas, já muito tarde, dei boa noite e o deixei vendo televisão. Pouco depois, o telefone tocou e eu de bate-papo. Não demorou para a porta do quarto se abrir e ele falar alguma bobagem como "acho que vai chover amanhã", e logo emendar com a pergunta que entrega os corações enciumados do mundo: com quem você está falando?

    Eu ri e as borboletas deram cambalhota no meu estômago. Ciúme na dose certa é como canja de galinha, não faz mal a ninguém. E assim viveremos ciumentos e felizes para sempre.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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