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    Mariliz Pereira Jorge

    Em 2014 deu tudo errado, por isso deu tudo certo

    01/01/2015 02h00

    Faço o mesmo que milhões ao me preparar para a virada do ano. Compro roupa nova, calcinha da cor do meu maior desespero. Deixo mentalmente a vida ruim para trás e visualizo um futuro cheio de motivos para comemorar. Pulo as sete ondas, brindo, passo a noite celebrando um presente novinho em folha. Como se o futuro finalmente tivesse vindo ao meu encontro.

    Anoto no caderninho todas as minhas resoluções para essa nova chance de ser finalmente feliz - ou menos infeliz. Quero acreditar que a meia-noite terá o poder de transformar meus desejos em realidade. Eu penso, planejo, anoto, me concentro no futuro glorioso que me espera e aguardo que a virada do ano traga a vida que eu pensei, planejei e acho que mereço, claro.

    Tenho feito isso religiosamente a cada ano que termina, sem falha, sou muito fiel ao caderninho, onde deposito minhas esperanças de ter uma vida, se não melhor, diferente. E mesmo quebrando a cara quase sempre, continuo fazendo a mesma coisa.

    Não foi diferente de 2013 para 2014, o campeão de planos furados. Eu queria o básico, só aquele feijão com o arroz dos pedidos de ano novo. Ser promovida, ganhar mais dinheiro, emagrecer, ter uma vida mais tranquila. Quem não quer?

    Deu tudo errado. E por isso deu tudo certo. Levei uma rasteira no meu último emprego, passei a ganhar menos, tive problemas sérios de saúde, engordei 10 quilos. Nessas horas a gente só consegue ver a parte ruim e não percebe que quase sempre os planos se concretizam de uma forma torta.

    A vida dá respostas atravessadas. E não significa que sejam ruins. Mas nem sempre entendemos. Sofremos porque nos apegamos à nossa listinha feita tão carinhosamente no caderninho. Ela não demora a ficar socada no fundo da bolsa com planos que não cabem em nossa vida, mas que queremos mesmo assim.

    Fazemos a listinha de resoluções como se fossemos ao supermercado. Acabou a manteiga, o açúcar, o emprego ficou velho, o amor, desgastado. Melhor renovar. Preciso de mais esperança, saúde e felicidade. Não esquecer de comprar uma dose de harmonia. Paz, sim, é bom não esquecer de pedir paz. E paz mundial.

    O problema é que o calendário vira e os itens podem continuar em falta, as prateleiras vazias. Talvez esse não seja o melhor ano para um amor novo, que seja o momento de aprender a ficar sozinho. Eu queria aquela promoção, e esqueço que há outros caminhos até melhores do que aquele que eu meti na cabeça ser o melhor para mim. E dá-lhe sofrimento.

    Então, achamos que depois do Carnaval alguma coisa há de ser reposta nas prateleiras do supermercado da vida. Ainda que seja apenas disposição pra mudar de fato algo que não funciona mais, como se uma pilha nova fosse tudo o que faltasse para que esse motor interno pegue no tranco.

    Os meses passam, as coisas não acontecem, a listinha dos planos fica esquecida na bolsa velha no cabide do quarto. Você nem se lembra mais o que realmente queria, só sabe que está infeliz e não vê a hora desse ano acabar.

    O ano acabou. Hoje é o primeiro dia de um novo ano.

    Dessa vez não fiz lista nenhuma. Não fiz pedidos específicos. Tudo que deu certo em minha vida esse ano não foi planejado, mas foi muito melhor do que tudo que eu havia pensado, pedido, desejado.

    Desisti de achar que existe uma conexão com o além que vai me garantir mais dinheiro, menos quilos, uma casa nova, um filho no mês que vem. Nem por isso deixei de acreditar que a vida pode ser melhor. O que eu cansei foi de esperar o ano acabar para mudar o que gostaria. Passei a repetir sempre como um mantra, a minha prece pessoal. "Vida, me surpreenda. Universo, estou pronta. Estou fazendo a minha parte." Dentro do carro, andando na praia, tomando banho, fazendo compras no supermercado.

    As coisas começaram a dar certo, enquanto eu achava que estava tudo errado. Então percebi que meu ano novo havia começado muito antes de hoje.

    Feliz 2015 a todos. Que a vida seja doce.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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