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    Mariliz Pereira Jorge

    Je suis gentil

    22/01/2015 02h00

    Eu sou Fernanda. Eu sou Cris. Eu sou Joana. Eu sou Geni. Eu sou Gisele. Eu sou qualquer uma. Eu sou todas. Eu sou nenhuma. Eu sou eu mesma.

    Das coisas que indignam as pessoas deveria estar no topo invadir a privacidade dos outros. Mas ser ofensivo com a vida alheia virou rotina num mundo em que os ignorantes de plantão mostram que não há limites para a podridão. As pessoas se viciam em bisbilhotar, futricar, questionar o que não lhes compete, o que não deveria lhes interessar, o que não faz a menor diferença.

    O episódio que envolveu a jornalista Fernanda Gentil é o melhor exemplo de que chegamos lá embaixo, no fim da ladeira da mediocridade. Alguém decidiu que ela não está em sua melhor forma. Alguém decidiu que ela tem celulites. Alguém decidiu que ela sem roupa não é tão incrível assim.

    Nunca fiquei tão constrangida com uma 'notícia'. Nunca fiquei tão revoltada em pensar que a vida num instante se resuma a essas bobagens. Não importa que Fernanda tenha dito que está grávida. Pô, desculpa, aí, se não sou a Panicat que vocês esperavam. Nem vou entrar no mérito se ela deveria ter se manifestado ou não. Se fossemos amigas, eu diria: se quiser dar porrada, me chama. Se quiser deixar assim, sua decisão.

    É disso que estou falando. A vida está cada vez mais complicada porque ninguém pode decidir o que quer ser. Quando deveríamos caminhar para uma sociedade cada vez mais aberta e plural, a maioria das pessoas quer que os outros se encaixem em seus padrões, num momento em que seria lógico ter cada vez mais opções de padrão e cada um achar o seu, se lhe convier.

    Acho um saco o discurso contra os padrões de beleza, simplesmente porque quem luta contra eles, em geral, quer enfiar goela abaixo os seus próprios. De quem mesmo é o problema da marombeira que come 20 claras de ovos por dia e malha três horas por dia? Dela. De quem é o problema da gordinha que é gordinha e é feliz sendo gordinha? Dela.

    Disse aqui, na Folha, que ganhei 8 kg e que me sentia gorda, assim. Já são 10. Fui massacrada, chamada de gordofóbica e o escambau. Dá licença, tenho o direito de não querer ser gorda. Tenho o direito de querer ser o que eu quiser. Tenho o direito de dizer como me sinto sem ser patrulhada.

    Uma amiga luta contra a magreza, que para ela é excessiva. Você deveria agradecer! Sorte a sua! Você pode comer o que quiser! Ela não acha. Ela gostaria de estar diferente, parecer diferente, sentir-se diferente. É um direito dela. Ninguém respeita.

    Ninguém respeita ninguém. Nem mesmo quem acha que está lutando contra preconceitos ajuda. A pessoa quer reafirmar suas convicções e atropela a vontade e a decisão dos outros. Se cada um vivesse a sua vida como quer, ela, a vida, teria menos momento patéticos como a notícia da ida de Fernanda à praia, que não agradou a um idiota qualquer.

    Foi horrível o que fizeram com uma profissional extremamente talentosa, que não depende do seu corpo para ser ou não competente no que faz. Mas é ainda pior o que todo mundo faz no dia a dia. E eu me incluo nisso.

    Já desdenhei da amiga que agora só come orgânico e não aceita meus Doritos. Tenho preguiça do meu marido que resolve fazer jejum nos dias em que eu quero sair para jantar. Já me peguei mandando a dieta do suco para a colega que EU acho que está gordinha. Ela não reclamou do peso, ela não me pediu dieta nenhuma e eu aqui querendo ser a boa samaritana, e, no fim, sendo apenas babaca.

    A gente deveria ser o que a gente quer. Magra. Gorda. Com celulite. Marombeira. Musa fitness. Sedentária. Preguiçosa. Mas poderíamos começar de um jeito simples: sendo mais gentil com todo mundo.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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