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    Mariliz Pereira Jorge

    Spider põe o dedo na tomada

    DE SÃO PAULO

    31/01/2015 02h00

    Eu corria meias maratonas e cheguei a participar de uma equipe da corrida Nike 600, um revezamento entre São Paulo e Rio. Rompi o ligamento, operei o joelho e nunca mais voltei a correr da mesma forma.

    A vida ganhou outras prioridades e toda vez que calço um tênis sinto dores que nunca tive. Como diz um amigo, quando você coloca o dedo na tomada, aprende a não encostar outra vez.

    Imagino que cada chute de Anderson Silva precise de muita coragem. Você sabe que pode levar um choque, mas vai em frente. E se você é um atleta vencedor e quer voltar ao topo, terá que enfrentar a tomada. Ou viver dos (muitos) louros colhidos durante a carreira. Anderson poderia fazer isso.

    Ele já é considerado um dos maiores nomes da história do MMA. Mas quem quer ser um dos melhores quando pode ser e continuar sendo o melhor?

    É curioso estar em Las Vegas para ver o retorno de Anderson. É a cidade natal de outro esportista que precisou vencer, além de lesão no pulso, outros demônios para voltar.

    Andre Agassi já tinha três Grand Slam quando despencou para o 141º lugar do ranking. Nesse período, começou a usar metanfetamina, a droga que ficou famosa por causa do seriado "Breaking Bad". Em sua volta, saltou 122 posições e chegou ao 6º lugar. E só, então, terminou uma temporada como o primeiro.

    Em sua biografia, Agassi deixa claro que vencer a lesão, o vício e a si próprio foram os seus maiores desafios. A cabeça desequilibrada muitas vezes atropela a capacidade do corpo de recomeçar. A gente recupera uma lesão, uma perna fraturada, um ligamento rompido, mas o medo de sermos derrotados pelo passado do que já fomos pode superar a forma com que nos preparamos para o presente. O corpo está pronto, mas e o resto?

    Perguntei a Anderson o que seria mais difícil em sua volta: superar Nick Diaz ou o Spider que está há um ano sem lutar. Ele se esquivou com a habilidade de um lutador: disse que vai fazer o que tem que ser feito. "Tento ser sempre melhor do que fui no dia anterior."

    Meu médico me liberou para voltar a correr, mas a cada dorzinha volto pra casa sem completar o treino que deveria. O medo me vence, não quero colocar o dedo na tomada novamente, mesmo sabendo que se fizer com o preparo certo não vou me machucar.

    Não entendo nada de MMA, mas por tudo que ouvi entendi que a escolha de Diaz é muito mais um teste para Anderson Silva. Faz sentido.

    Quando você começa a vencer limites, passa a ser admirado por suas conquistas mais difíceis. Ao mesmo tempo em que elas começam a ficar maiores, aquelas lá do começo parecem perder a importância.

    Eu deveria ficar feliz quando consigo correr 5 km sem levar nenhum choque. Mas tudo que consigo pensar é que tenho algumas meias maratonas no currículo. Não há pior boicote para manter a confiança. É penoso para um atleta que chegou 'lá', ter que fazer o caminho inteiro de novo.

    Na luta de hoje, se Anderson vencer será uma volta histórica, como dizem os entendidos. Mas no fundo, eu imagino que pra ele mais do a vitória contra Diaz, o mais importante será poder recomeçar de onde parou.

    A jornalista MARILIZ PEREIRA JORGE viajou a convite da Budweiser

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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