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    Mariliz Pereira Jorge

    O feminismo precisa dos homens

    12/03/2015 04h00

    A maior preguiça que eu tenho de feministas de carteirinha é que muitas delas, em qualquer discussão sobre machismo, mandam os homens calar a boca. Já vi isso acontecer várias vezes. Você é homem, lógico não entende o que é sofrer com o machismo. É como dizer que heterossexuais não podem falar sobre as questões homossexuais. Como se brancos não tivessem o direito de discutir o racismo porque não são negros. "Você não é mulher, não sabe o que é machismo, portanto não tem que vir aqui abrir a boca", posso ouvi-las bradando em posts mesmo do outro lado do computador.

    Já falei aqui nesse espaço que o nome disso é tiro no pé. Pra não chamar de ingenuidade. Ou de visão limitada. Então, vem a atriz Emma Watson dizer novamente o que eu falo há tempos. Que a causa feminista não pode ser apenas das mulheres. No Dia Internacional da Mulher, ela voltou a promover a campanha He for She, que incentiva os homens a lutar pela igualdade de gênero.

    Parece óbvio. Mas não é para muita gente.

    O feminismo precisa dos homens para combater o machismo. O feminismo precisa que cada vez mais os homens entendam que não é justo que nossos salários sejam mais baixos, que não podemos ser tratadas como objeto de consumo, se não for nosso desejo. Que entendam que as tarefas domésticas têm, sim, que ser divididas. Que a gravidez indesejada é uma responsabilidade dos dois e não apenas da mulher. Que não merecemos ter nossa intimidade exposta como forma de vingança. Que precisamos falar da descriminalização do aborto. Que a violência contra a mulher tem que acabar.

    E quanto mais homens viverem suas vidas colocando em prática os princípios da igualdade de gêneros, mais mulheres se beneficiarão disso. Ninguém muda valores arraigados em uma sociedade apenas porque quer ou porque acredita. Não adianta apenas as mulheres terem consciência de seus direitos, se não tiverem do outro lado um interlocutor que os reconheça.

    Já fui descredenciada a falar de feminismo por ativistas que acham que por eu ser branca e ter tido uma vida, segundo elas, privilegiada, não posso saber o que acontece com as mulheres vítimas de machismo. Deve ser o mesmo tipo que adora compartilhar em redes sociais frases como: "atrás de uma grande mulher existe apenas ela mesma."

    Não poderia discordar mais. Atrás de uma mulher há várias pessoas que deram a ela condições psicológicas, sociais, financeiras para que ela pudesse ser o que é. Entre elas, muito provavelmente algum homem. Ninguém vive sozinho. Ninguém transforma a sua vida sem algum tipo de apoio.

    Assim como Emma Watson, eu me sinto privilegiada. Mas não financeiramente como sugerem algumas ativistas. Mas porque convivo com pessoas, entre elas homens, conscientes e esclarecidas em relações a essas questões. Fui criada por um pai carinhoso, que me educou com os mesmos direitos que meu irmão. Tenho amigos que sempre me trataram e me viram como uma igual.

    Tive e tenho chefes que me deram oportunidades porque reconhecem meu trabalho. Recentemente ganhei aumento de um deles sem que eu pedisse. E antes que alguém diga que ele fez isso com segundas intenções, gostaria de esclarecer que nunca nos vimos pessoalmente, só nos falamos por email e estamos separados por 400 km de distância.

    Meus namorados sempre me respeitaram, nunca me ameaçaram verbalmente e muito menos fisicamente. Casei com um que me apoia, me incentiva, divide a vida e as tarefas domésticas, e que nunca, jamais me disse o que posso ou devo fazer.

    Sim, sou privilegiada por ter tido homens como eles em minha vida. Eu, assim como tantas outras mulheres. Privilegiada em perceber que apenas não fui vítima de machismo porque me relaciono com homens que acreditam na igualdade de gêneros. Homens que, mesmo sem saber, são tão ou mais feministas que as ativistas que insistem em tirá-los da conversa. Homens que respeitam e defendem suas mulheres, suas filhas, suas mães e suas amigas. E com as suas atitudes ajudam a mostrar a outros homens que o mundo pode ser mais justo.

    O feminismo precisa abraçar esses homens e as feministas têm que entender que essa luta por direitos não pode ser uma luta de ódio contra eles. Precisamos deles para que o desejo de mudança seja ampliado, tenha algum efeito prático e não fique confinado em grupos de discussão que tentam decidir quem pode ou não fazer algo pelas mulheres.

    Qualquer pessoa que acredita em igualdade é feminista, disse Emma Watson. Incluindo os homens. Queiram as feministas ou não.

    PS. Amanhã faz um ano que comecei a escrever nesse espaço. E isso apenas foi possível por causa de dois homens. Obrigada, Roberto Dias. Obrigada, Sérgio Dávila. E obrigada a todos os leitores, mulheres e homens.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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