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    Mariliz Pereira Jorge

    Eles fingem que jogam...

    28/03/2015 02h00

    Na quinta-feira, quando cheguei na casa de uma amiga, lembrei que a seleção jogava um amistoso contra a França porque o rádio da portaria estava sintonizado na transmissão. "Quem está ganhando?", perguntei. "Sabe que não sei, não estou prestando muita atenção", devolveu o porteiro.

    Não era só ele.

    Dei passada rápida nas redes sociais e nada. Nem um grito de gol –nem online nem nas janelas–, e olha que foram três pro lado de cá. Nenhum postzinho para comemorar a vitória nem para fazer chacota, qualquer uma que fosse.

    Quis saber o que as pessoas acharam do jogo. "Nem vejo", disseram vários. "Tenho birra do Dunga", li algumas vezes. "Teve jogo ontem?, desdenharam.

    A ressaca da Copa está durando. Não importa se o jogo foi bom como disseram alguns gatos pingados aqui, e que Dunga está no caminho certo, como acreditam outros pingados acolá.

    Aquela derrota ainda provoca azia. Ficou a imagem de marmanjo chorando, futebol de menos e selfies demais. Os jogadores terão que fazer mais do que gol para reconquistar uma torcida desiludida.

    Aqueles 7 a 1 não deixaram só uma nação inteira com vergonha até 2054. E bota vergonha. Eu quero achar um buraco cada vez que um gringo relembra nosso feito. Porque foi um feito histórico. O problema não foi perder, foi perder feio. E não perdemos apenas um jogo ou uma Copa, perdemos a majestade.

    O vexamão acabou com o mito do futebol-tradição, jogou uma pá de cal no que restava de emoção e paixão dentro e fora do campo. Mas não sei dizer se é justa essa aversão prolongada que muita gente sente pelo escrete canarinho.

    Talvez tenha sobrado pouco do jogo da época que chamávamos assim. O tal do futebol-arte (que eu sempre confundo e chamo de futebol-samba), com ginga, drible e gols espetaculares. Essas coisas que fazem o futebol ter graça até pra quem não acha lá muita graça.

    Talvez se não levássemos futebol tão a sério, o trauma teria sido menor. Agora a gente fica posando de mulher traída, que descobriu que o outro não era tudo aquilo que imaginava. No final das contas, é só futebol, que deveria distrair e emocionar. Mais distrair do que emocionar, já que os tempos são outros e o futebol também.

    E isso não tem nada a ver com grandeza dos assuntos. Acho o fim da goiabada discurso de que o país está mergulhado em problemas e o povo continua vendo novela, pulando Carnaval e preocupado com o resultado do campeonato estadual. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

    Sobre a partida de quinta, que ninguém deu muita bola, a impressão que fica é a de que o futebol talvez não seja mais o ópio do povo. Cada vez menos gente interrompe o trabalho no meio do dia para ver uma partida, do time que for. E por isso não faz sentido que a seleção carregue nas costas a obrigação do país ser bom em alguma coisa.

    Perdemos feio na Copa. E daí? O futebol de hoje é ruim? OK. No fim, é só futebol. Eles fingem que jogam, a gente finge que torce, todo mundo fica mais ou menos feliz e a vida segue.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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