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    Mariliz Pereira Jorge

    O Rio é um mar de cocô

    18/04/2015 02h00

    Eu moro em frente ao Canal de Marapendi, na Barra da Tijuca, numa rua arborizada, com ciclovia de ponta a ponta. Para chegar até a praia, uso uma balsa que faz a pequena travessia entre a minha rua e o Posto 7. Acho tudo bucólico.

    Numa manhã qualquer, lá fui eu para um mergulho, e as margens do canal estavam brancas, coalhadas de garças, perduradas nas árvores. Pensei ser um sinal de recuperação, de que a água do canal estava mais limpa, e que havia peixe de sobra dando bobeira para as garças famintas.

    Aparentemente havia mais peixes. Mas eram os peixes de sempre acostumados com a água fétida e suja. Tinha chovido tanto nos dias anteriores que o lodo havia se movido e obrigado os peixes a subirem mais perto da superfície numa busca desesperada por oxigênio.

    As garças aproveitavam para se refestelar num banquete injusto. Para os peixes era 'se correr o bicho pega, se ficar o bicho come'. Num segundo, garças pareciam urubus chafurdando na desgraça alheia.

    Um surfista, que estava na balsa, me contou que mora ali há 30 anos, e atravessava o canal nadando com a prancha. Hoje, tem medo que a água respingue dentro do barco e ele pegue hepatite.

    O Canal de Marapendi, para quem não sabe, faz parte do Complexo Lagunar de Jacarepaguá. Como muitos sabem, deveria ser limpo até a Rio-2016, segundo um compromisso assumido pelo governo do Rio.

    Não há mais tempo hábil, informam. Um jogo de empurra-empurra, onde um órgão põe a culpa em outro pelo fracasso da ação, que, no final das contas, tem dois grandes perdedores: os atletas que vêm competir e os moradores que sonham em aproveitar esses espaços.

    O Rio de Janeiro é uma piada triste. Uma cidade deslumbrante, cercada por um mar de cocô por todos os lados.

    Fala-se muito da Baía da Guanabara, mas eu não consigo me lembrar de nada que possa estar na mesma frase envolvendo água e Rio de Janeiro, que não inclua as palavras poluição e esgoto.

    Certa vez, saltei de asa delta da Pedra Bonita. Passada a dor de barriga, veio o susto. Uma língua negra horrorosa invadia e tomava a orla da praia de São Conrado. Cada vez que passo pela Niemeyer e vejo o mar coalhado de gente surfando só consigo pensar numa coisa: surfistas de 'merda' "" não por causa dos surfistas, mas pela qualidade da água das ondas dali.

    O mesmo 'fenômeno' acontece no quebra-mar da Barra da Tijuca. Dia desses, os jornais publicaram uma foto aérea da nojeira toda avançando desde a Lagoa da Tijuca e do Canal do Joá até a praia. As pessoas fazem esporte nessas águas imundas. Vejo gente esquiando, praticando stand up paddle. Meu estômago embrulha. Vão engolir cocô.

    No começo dessa semana, mais uma notícia de mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas. Ouvi no rádio técnicos dizerem que não se trata de poluição. Quem essa gente quer enganar? Biólogos afirmam que faltou oxigênio para os peixes porque a quantidade de esgoto lançado na Lagoa é enorme.

    Piora. Dizem que isso pode acontecer durante a Rio 2016. Mas não há o que temer. Como o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, já nos tranquilizou, "as águas nos locais de competição são iguais para todos". Ou seja, estamos todos, cidadãos e atletas, na merda.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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