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    Mariliz Pereira Jorge

    A melhor vingança é ser feliz

    23/04/2015 02h00

    "Não desejo mal a ninguém, mas intimamente, quando lembro como fiquei mal, penso que a vida está muito melhor, que a minha felicidade é uma vingancinha gostosa e que sinto prazer em esfregar na cara deles", disse com vergonha, me achando uma pessoa horrível e rancorosa.

    "Eles que se fodam", respondeu meu doctor Freud.

    Gargalhamos. Senti um alivio por ele não vir com aquele sermão de que a gente tem que aprender a perdoar. E a sessão terminou.

    Lembrei dessa conversa por causa da garota que jogou todos os gadgets do namorado dentro de uma banheira cheia de água, depois de descobrir que havia sido traída. Todos. Muitas maçãs reluzentes boiando na espuma.

    Já fui traída. Quem nunca? Por namorado, por amiga, por colega de trabalho. Traição é aquela dor filha da mãe, misturada com uma raiva filha da puta. Cada um lida de uma forma com a apunhalada. Eu perco a fome, tem gente que perde as estribeiras.

    Isso não quer dizer que enquanto o sentimento de rejeição machuca minhas entranhas eu não fique silenciosamente planejando vinganças mirabolantes. Quero que sejam mirabolantes, mas quase sempre se resumem a diálogos imaginários, onde cada palavra soa como um tabefe verbal e no final a pessoa se sente uma titica e implora meu perdão. Que eu não dou.

    Por um instante considerei a moça que afogou os gadgets uma infantiloide despirocada. Passou. E eu senti uma boa dose de inveja do seu sangue frio e de como ela instantaneamente ficou de alma lavada. Literalmente. Enquanto eu sempre passo semanas sofrendo, me sentindo miserável, imaginando que a pessoa que me sacaneou está de bem com a vida, tomando margueritas e rindo da minha cara.

    Mundo, me desculpe, mas não sou a madre Teresa, e esse negócio de vingança pode até ser feio, mas vem embutido no chip de todos. A diferença entre mim e a Maníaca da Apple é que eu sou uma bundona-civilizada e ela é a mulher-das-cavernas-com-paz-de-espírito-imediata.

    Quando a gente se sente ofendido, aumenta o fluxo sanguíneo de uma região primitiva do cérebro. Entendeu porque sentimos o sangue subir à cabeça? Porque ele sobe mesmo.

    Essa partezinha desmiolada processa necessidades básicas, então, o desejo de vingança que sentimos é mais ou menos como a necessidade de comer. Aparece nem que a gente não queira. Instintivamente queremos matar a fome –ou o filho de uma égua que fez a mau caratice.

    Mas antes que a gente saia correndo atrás de um armado de tacape ou pule na jugular de outro, vem a razão dar um sossega-leão na emoção. Por isso a maioria de nós consegue controlar nosso instintos e não sai se matando por aí. Ufa.

    O que não quer dizer que o assunto esteja resolvido. Podemos esquecer a pendenga toda e seguir adiante ou ficar dias, meses, anos cultivando a vontade de dar o troco, porque a vingança quando concretizada dá um prazer enorme. Ô, se dá!

    Mas, segundo a ciência, essa descarga boa de adrenalina do olho por olho tem um efeito prazeroso efêmero, seguido muitas vezes de uma deprê. O que sobra de uma vingança quase sempre é o vazio. Você vai lá, joga as roupas pela janela, martela o carro, espalha que o cara é broxa e acabou. Nada do que a gente faça vai trazer o amor de volta, resolver uma rasteira profissional, refazer uma amizade desleal.

    Eu sou do tipo que não guarda rancor mas não esquece. Por isso, ainda que raramente, me pego desejando que um ex-namorado morra de diarreia. Pensar sacia minha sede de vingança. Não passo vergonha e ninguém me acha louca.

    Imagino a sirigaita que me sacaneou no trabalho, de plantão em pleno feriado, enquanto estou na Bahia, tomando umas biritas, torrando a bunda no sol. Vejo um ex dando de cara comigo toda semana na home da Folha e penso: vai ter que me engolir. Deleto com prazer o e-mail de uma amiga, que deu em cima de um bofe, e agora vem me procurar como se nada tivesse acontecido.

    Na final das contas, sem gritar, espernear, boicotar ou ser sacana, percebi que a vida acaba se vingando pela gente. Acredito mesmo que a melhor vingança é ser feliz, ser amada e fazer sucesso. A gente não precisa levantar um dedo contra ninguém, gente sacana se derruba sozinha.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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