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    Mariliz Pereira Jorge

    Casamento está na moda

    04/06/2015 09h11

    Quando a porta abriu e eu vi a Thais entrando, meus olhos se encheram de água. Muita. Não aquele tantinho que dá para engolir o que parece uma noz inteira entalada na garganta. Eram lágrimas volumosas, descendo pelo vale entre o nariz e a maçã do rosto.

    Procurei o noivo, pedindo ajuda com os olhos inundados. E ele me estendeu um lencinho que deveria estar guardando para uma emergência.

    Era uma emergência. Enorme. Sem precedentes. Eu estava ali para celebrar o casamento daquele casal e me vi mais nervosa, mais apavorada, mais emocionada que os dois juntos.

    Celebrar como, me perguntavam? Celebrar. Realizar com solenidade, exaltar, dizer missas, festejar, louvar ruidosamente. Está no Michaelis. E tudo o que eu ouvia era meu coração batendo como uma centrífuga de máquina de lavar com defeito.

    Na ausência de padre, pastor, capelão, juiz de paz, teólogo, tinha eu.

    Thais, espere, não ande tão rápido. Você está linda. Eu estou desesperada. Você nunca fez isso, e eu também não. Não sei que horas a noiva beija o noivo. Será um vexame. Vou estragar tudo.

    Sentia um fio de suor empapando minha roupa nas costas, o cabelo grudando na nuca.

    E de repente os dois estavam em minha frente. E mais umas 300 pessoas olhavam para mim. Queriam saber o que eu tinha a dizer sobre aquele casal, sobre casamento, sobre o amor.

    Eu quase não sabia o que dizer. Logo sobre isso de que gosto tanto de falar.

    O que acho mesmo? Acho que casamento já foi a instituição familiar oficial. As pessoas talvez não soubessem muito sobre o que a vida reservava para elas, mas tinham algumas certeza. Nascer, crescer, estudar, namorar, casar, ter filhos e morrer.

    Casar era condição sine qua non para a felicidade —mesmo que muita gente acabasse infeliz mesmo. E de tanto que deu errado, casamento virou a praga da instituição falida. E eu acho que é mesmo.

    Casamento nos moldes que nossos avós, nossos pais e muitos de nós conhecemos é fadado ao fracasso. Veja, estou generalizando. Tudo era feito de forma precipitada. Muita gente conhecia muito pouco ou nada da vida, de se relacionar com outra pessoa ou de si mesma.

    As pessoas se casavam por vários motivos, muitos deles errados, e que não tinham nada a ver com amor ou com a vontade absoluta de dividir a vida com alguém.

    As pessoas se casavam por interesses financeiros. Os homens para ter uma mulher que cuidasse de sua casa, que lhes desse filhos e cuidasse deles. As mulheres saiam debaixo da asa do pai para se abrigar na proteção de um marido.

    Preciso dizer de novo que estou generalizando para que ninguém venha aqui dizer que não é bem assim?

    Então, virou moda não casar. E virou mais moda se divorciar. Moderno era juntar as escovas de dente. Cafona essa coisa de casar. As pessoas se conheciam, se apaixonavam e se juntavam. E muitas vezes se separavam. Fazia parte do jogo o compromisso sem tanto compromisso.

    Muita gente entrava num relacionamento já sabendo que no primeiro problema era só chamar o caminhão de mudança. O até-que-a-morte-os-separe virou até que o amor acabe. A gente quase se convenceu que acaba sempre.

    Entre o felizes-para-sempre-na-marra e o juntar-das-escovas-pero-no-mucho, chegamos aos dias de hoje. E eu tenho certeza de que não haja nada mais moderno do que casamento.

    Com papel, sem papel, com festa, sem festa, com aliança, sem aliança. Só casa quem quer. E só casa, junta, fica tico-tico-no-fubá se for de verdade. Ninguém precisa assinar um papel sem convicção. Ninguém resolve morar junto achando que está brincando de república.

    As pessoas se casam mais e se divorciam menos nos dias de hoje. Casamento deixou de ser aquele esporte radical no qual você só conhece as condições adversas quando já entra no jogo.

    A vida mudou. Agora a gente pode nascer, crescer, estudar, namorar várias pessoas, entender o que nos faz feliz, errar em vários relacionamentos até acertar com um. E quando a gente acerta com um, meu amigo, quem é que vai querer outro?

    Foi o que aconteceu com esse casal, que estava ali na minha frente me ouvindo falar sobre amor. E o que eu sei sobre amor? Talvez o suficiente porque tive a sorte de chegar a esse momento de não querer mais ninguém.

    E como tive essa certeza?

    Durante muito tempo eu fazia um exercício simples. Olhava para aquela pessoa ali ao meu lado e pensava se conseguiria nos ver juntos em cinco anos. E em 10 anos, será que ele ainda iria se encaixar no que eu quero para mim ou já terei pulado em seu pescoço? E como será daqui duas décadas, ainda vou amá-lo ou seremos dois desconhecidos nos suportando?

    Triste olhar para a frente e não ver no futuro alguém que a gente acha que ama hoje. É triste, mas funciona. Nos livra de muita chateação e sofrimento. E deixa o caminho livre para a pessoa certa. Nunca consegui enxergar tão longe a minha vida ao lado de alguém como agora. Por isso me casei.

    Por isso, Thais e Cassio estavam ali se casando naquele dia.

    E eu que sempre celebrei o amor das mais diversas formas, tive o privilégio de celebrar de verdade o amor de duas pessoas da forma mais tradicional, mais linda, mais moderna e mais inesquecível. Numa cerimônia de amor.

    Com direito a emoção, choro e nervosismo. Eu não era a noiva, mas estava me sentindo uma. Talvez porque nunca estive tão perto do 'altar' como dessa vez. Gostei, viu?

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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