Ele chega hoje. Mais algumas horas. Mais alguns suspiros. Mais umas olhadas no celular. Mais meio sorriso. Mais meia alegria. Mais meio tudo.
Estou só metade sem ele. Mas continuo inteira.
A casa está arrumada. Não tem meia jogada no chão da sala. Nem cueca no chão do quarto. Nem xícara de café na pia do banheiro. Nem contas velhas vencidas sobre a mesa.
Nem tem graça.
Tem um silêncio ensurdecedor do vazio que ficou dele. Falta ele. Mas não dói.
Durante a maior parte da vida achei que sentir saudade era uma coisa doída. E que piorava com o passar dos dias. Os sintomas iam se espalhando pelo corpo como febre e pela cabeça como ressaca.
Até que a gente virava um trapo ambulante pela falta do outro.
Quantas vezes perdi o brilho da vida, depois a fome, a vontade de fazer, a força pra sair. O estômago ardia, a cabeça pesava. Ficava monossilábica ou monotemática.
Os amigos reclamavam ora que eu estava quieta demais ora que eu só falava do mesmo assunto.
Não era saudade. Era angústia da iminência da perda. A gente sempre tem medo de perder o que na verdade não tem. Eu já não tive alguns amores. Por isso sofri de saudade. Que era no fundo só angústia.
Até saber que saudade mesmo não dói.
Saudade boa alimenta. A gente come saudade. Bebe saudade. Respira saudade. Porque não é só saudade. É amor. É paixão. É falta. De lá e de cá.
Saudade fortalece. A gente aguenta. Não esmorece. Nem pestaneja. Nem fraqueja.
Mas sinto falta das meias no meio da sala. Da TV ligada. De deitar no seu braço. Do barulho da máquina de café. Da chave girando na maçaneta. De fazer rolinho no seu cabelo. Do travesseiro aos pés da cama.
Tô desbotada de saudade. Não dói. Mas a vida está sem cor.
Volta.
Falta pouco. Daqui a pouco. Saudade boa não dói. Mas chega de saudade.
