• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 08:19:18 -03
    Mariliz Pereira Jorge

    Não somos mais favoritos

    20/06/2015 02h00

    Estava lendo sobre a Copa América, antes de o campeonato começar, e vi o Brasil apontado como um dos favoritos. Como sempre. Pela primeira vez pensei na bobagem que isso representa.

    Não está na hora de a gente encarar que não somos mais favoritos em nada? Eu não apostaria nem um par de meias velho nessa seleção. E isso não vem de hoje, nem do dia inesquecível em que tomamos de 7 x 1.

    O favoritismo brasileiro sempre foi default, mas está na hora de mexer nessa padronização. Não é preciso entender de futebol para perceber uma coisa simples. Enquanto acreditamos que seríamos para sempre o povo escolhido no mundo da bola, o restante do mundo não apenas aprendeu a fazer a mesma coisa como tem se dedicado com um afinco tremendo a fazer melhor.

    Enquanto acreditamos que a camisa da seleção é um manto sagrado, enquanto acreditamos que vestir uma bastará para que baixe algum santo fazedor de gols, algum santo jogador de futebol-arte, o resto do mundo treina.

    Acabou o favoritismo. E acabou essa coisa de que este ou aquele time é a zebra da temporada. No G8 do futebol mundial, as cabeças vão se revezar cada vez mais. E isso será oficializado na primeira Copa em que algum país sem a tal dita tradição chegar ao topo. O que pode ocorrer já em 2018. Por que não?

    Zebra é uma palavra que deveria ser abolida em Copas do Mundo, ao menos da forma que sempre foi usada, ao separar os favoritos dos times que só estariam ali para fazer figuração. O último Mundial mostrou que qualquer um pode ganhar de qualquer um.

    Zebra foi a Coreia do Norte eliminar a Itália na primeira fase da Copa de 1966, ou a França perder para o Senegal em 2002. Mas eu não chamaria de zebra o time da Costa Rica, que chegou às quartas de final da Copa de 2014, quando foi eliminado apenas nos pênaltis pela Holanda, num puta jogaço.

    Naquela altura do campeonato eu já era Costa Rica desde criancinha e me peguei vibrando com esse time mais do que em qualquer jogo do Brasil. O futebol apresentado pelo time da América Central não teve nada a ver com sorte, mas com talento e empenho. A cada Copa percebe-se que o nível de futebol dos times figurantes só melhora.

    De novo, não precisa ser especialista pra saber que jogo bom é o que emociona, que envolve e tem gol. O que teve de sobra no último Mundial.

    São características que estão em falta no futebol apresentado pela seleção e que me fazem afirmar que está na hora de dizer adeus ao grupo dos favoritos. Não apenas por uma questão de humildade perante o adversário, mas de realidade.

    A gente precisa parar de repetir frases prontas porque elas não ganham jogo nenhum. A imprensa tem de parar de dizer que o Brasil é favorito do que quer que seja. Os dirigentes da CBF precisam parar de nos chantagear com frases como a dita por Parreira na primeira coletiva na Granja Comary, na Copa de 2014. "A seleção é um patrimônio cultural do povo brasileiro", disse.

    Patrimônio dilapidado. Patrimônio que por si só não garante nem gols, nem jogo bonito e muito menos favoritismo.

    Daniel Alves disse na mesma época que "a seleção é o povo, e isso faz o favoritismo real". Bonito, não é mesmo? Mas não serve de nada. Inclusive porque essa identificação entre povo e seleção tem sido cada vez mais renegada pelo próprio povo.

    Favoritismo não vive de passado. E a história atual não tem sido nada boa.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024