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    Mariliz Pereira Jorge

    Curso para ser homem

    17/09/2015 02h00

    "Os homens americanos estão confusos sobre o que é ser um homem de verdade", me disse Michael Kimmel, professor de sociologia da Universidade Stony Brook, nos Estados Unidos, que está à frente do primeiro curso de graduação em estudos sobre o homem e sobre as masculinidades. No plural mesmo, afinal há várias formas de masculinidades, segundo Kimmel. Concordo. E não acho que essa confusão se restrinja aos americanos. Vivemos uma crise mundial de identidade masculina.

    Homem que é homem chora? Mostra suas fraquezas? Tem que pagar a conta? Matar um leão por dia? Ser o provedor e protetor da família? São essas, entre outras questões que o tal curso vai abordar. Ninguém precisa ir lá correndo se matricular, mas temos que falar sobre o assunto, porque tem muito homem mais perdido que cego em tiroteio.

    Desde que os movimentos feministas começaram há décadas, muito se estuda para entender o novo papel da mulher e tentar diminuir o buraco que sempre houve entre os direitos de homens e mulheres.

    Há centenas de milhares de grupos de estudos sobre a transformação da mulher, enquanto pouco se fala sobre o que vem mudando na vida do homem, o impacto que isso tem em sua masculinidade e o que está sendo ensinado aos garotos para que tenham uma convivência mais harmoniosa com a mulher contemporânea.

    "A sociedade pode se beneficiar se entendermos esse novo homem que está adicionando elementos à personalidade, que não nos permitimos durante muito tempo. Se você olhar as pesquisas com homens mais jovens, você verá que eles esperam que suas mulheres trabalhem, esperam se envolver na criação dos filhos e ser ótimos pais. Mas muitos ainda não sabem como equilibrar trabalho e família da mesma forma", diz Kimmel.

    Toda vez que leio uma crítica sobre como filmes de princesas são péssimos na formação de meninas, penso na mesma hora: será que ninguém imagina que a influência é também negativa para os meninos?

    Muitos garotos, não apenas nos filmes e desenhos animados, continuam aprendendo o de sempre, e o de sempre não é exatamente bom. Menino pode, menina não. Homens têm que ser fortes, não podem chorar, devem ser os provedores e protetores. Precisamos ampliar essas características e possibilidades, como aconteceu com as mulheres.

    É visível o descompasso. E isso talvez explique muito porque tantas coisas relacionadas à igualdade de gênero continuem patinando ou se restrinjam na prática à uma parcela pequena da sociedade.

    É como se fizessem uma reunião de condomínio e não convocassem todos os moradores do prédio, mas esperassem que todos passassem a seguir as regras combinadas a portas fechadas. Tem sido assim há décadas. Não funciona.

    Não adianta combinar entre as mulheres que as tarefas domésticas devem ser dividas, que o papel do pai na criação dos filhos precisa mudar, que mulheres podem transar tanto quanto os homens, que tem o direito de não querer filhos e que é uma sacanagem ganhar menos, e continuar criando e educando os homens de hoje como se fazia há 50 anos.

    O homem que cresceu dentro de um modelo patriarcal, que só vestiu azul, só pode brincar de carrinho, que viu a mãe lavando louça e o pai sentado no sofá está descobrindo na marra que a vida não é assim.

    Será mais fácil entender e aceitar a mulher com tantas facetas que ela pode ter hoje em dia, quando ele mesmo perceber que não precisa se encaixar num modelo padrão de masculinidade. Menos sofrimentos dos dois lados.

    Num levantamento recente, a Woman's Nation descobriu que quatro entre nove homens disseram que é mais difícil ser homem nos dias de hoje do que na geração de seus pais. Deve ser mesmo para o macho que não foi preparado para lidar com um mundo e com mulheres diferentes.

    Por isso precisamos colocar os homens na roda. Um braço das Nações Unidas dedicado a assuntos sobre igualdade de gênero anunciou que trabalhará com o dr. Kimmel no desenvolvimento de worshops destinados a universitários, que vão desde agressão sexual a reprodução masculina.

    Sim, homem pode chorar, pode ficar em casa cuidando dos filhos, pode dividir as contas, deixar de ser arrimo de família, mas precisa aprender a controlar o pau dentro das calças e saber que gravidez é responsabilidade masculina também.

    Quanto mais a gente falar, discutir, em cursos, reportagens, bate papos, mais haverá homens questionando o seu papel, suas atitudes e tendo experiências mais atuais para se espelhar. Porque, claro, tem muito cara bacana por aí.

    No final das contas, ser um homem fora dos padrões não significa deixar de ser homem, mas talvez uma pessoa melhor e mais preparada para a vida.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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