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    Mariliz Pereira Jorge

    Esporte, sexo e encrencas

    31/10/2015 02h00

    Eu estava em Toronto, no Canadá, quando o goleiro da seleção brasileira de pólo aquático foi acusado de abuso sexual, durante os Jogos Panamericanos.

    Até hoje, os detalhes da acusação não são conhecidos. É uma incógnita se Thyê Mattos estuprou, se forçou um beijo ou um abraço, se passou a mão no peito da vítima, se capotou bêbado de roupa e tudo em cima dela.

    Pode ter sido qualquer coisa ou nada. As leis canadenses são severas quando o assunto é abuso sexual. Na site da polícia é possível ver as investigações em andamento. Fiquei assustada com a quantidade de registros dessa natureza.

    Abuso sexual para a maioria tem a ver com estupro. Mas não no Canadá, lá qualquer contato físico não consentido ou algo que soe como ameaça sexual pode render uma baita encrenca.

    Três meses depois, dois jogadores que defenderam a seleção de futebol no Pan estão sendo procurados pela polícia pelo mesmo motivo. O meia Lucas Piazon e o goleiro Andrey teriam ido para a casa de uma garota que conheceram em uma boate de Toronto.

    Não vou especular sobre o que fizeram os atletas brasileiros. Só quem estava presente sabe o que aconteceu. Vi comentários cretinos em redes sociais e nos sites que divulgaram a notícia sugerindo que uma mulher que leva um homem para casa tem que aguentar as consequências.

    Vamos lá, ainda que essa mulher esteja pelada, deitada na cama, prestes a brincar de canguru perneta, ela tem o direito de mudar de ideia e não querer mais brincar. E o moço –ou os moços– em questão têm que guardar o seu canguru perneta e respeitar a vontade da moça.

    No Brasil, muitos homens não entenderam que funciona ou deveria funcionar assim. Mas o Canadá é um dos lugares mais seguros para as mulheres. Você pode andar sozinha, a qualquer hora do dia, usando a roupa que quiser, que dificilmente alguém vai bancar o engraçadinho.

    No verão canadense, a moda eram shortinhos curtíssimos que deixavam a polpa da bunda aparecendo. Não se ouve fiu-fiu, "gostosa", "ô lá em casa" e dificilmente você dará de cara com um tarado se masturbando dentro de um carro ou no prédio em frente.

    Ninguém te agarra pelo braço ou pela cintura na balada, não puxa seu cabelo e não xinga de vagabunda, caso você não ceda a essas abordagens nada gentis. Isso é rotina na vida das brasileiras. Os homens aqui acham natural e jamais são punidos.

    O ponto é: atletas viajam o mundo todo e, por questão de segurança própria, deveriam se informar, respeitar e temer as leis locais. O que para um brasileiro pode ser apenas "ter pegada", para uma gringa pode ser abuso.

    Além disso, marias-chuteiras e seus derivados existem no mundo inteiro. Usar uma lei, justíssima e necessária, para arrancar dinheiro ou ter 15 minutos de fama nas costas de um atleta de seleção é algo que pode acontecer no país mais civilizado do mundo.

    Que sirva de lição para esportistas e homens em geral. Numa semana em que as redes sociais foram tomadas por relatos de assédio sexual, impulsionados pela campanha #primeiroassedio, lançada pelo coletivo feminista Think Olga, espero que as mulheres comecem a botar a boca no trombone e que as leis daqui sejam mais severas para proteger quem tem que ser protegido.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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