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    Mariliz Pereira Jorge

    Não é 2016 que tem que ser diferente, é você

    31/12/2015 13h20

    Há uma verdade cruel nessa filosofia de botequim.

    Você pode vestir roupa amarela (dinheiro), cueca rosa (amor), comer lentilhas (fartura), uvas (prosperidade) e brindar com champanhe. Não me lembro exatamente por que, mas também não consigo imaginar nada que represente mais dinheiro, fartura, prosperidade e, claro, amor, do que champanhe.

    Mesmo que não tenha escrito suas resoluções no Facebook, como se fossem os dez mandamentos para um novo ano campeão, deve ter feito isso mentalmente. Eu faria apenas mentalmente. Dá uma vergoinha querer sempre o básico e não conseguir terminar o ano nem com o básico feito.

    E lá está você novamente de cara com uma nova chance imaginária de ter uma vida menos solitária, menos pobre, menos medíocre ou apenas menos igual. E o que você faz?

    Você vai lá, pula as ondinhas. As sete. Joga umas flores para Iemanjá, abraça todo mundo, chora, pede um ano novinho em folha, porque nesse não deu. Não deu pra nada. Não deu nem para o gasto.

    Então, amanhã, você acordará com um baita problemão, porque no dia primeiro de janeiro sua vida será exatamente igual ao dia anterior, do ano anterior. E terá que se acostumar com a realidade de que o ano pode ser novo, mas a sua vida continua velha.

    Então, aquele ditado de botequim faz todo sentido.

    Não é o ano novo que tem que ser diferente, é você. E é muito difícil ser alguém que não o mesmo com quem estamos acostumados. A gente planeja a vida com coragem e se acovarda quando tem que viver, quando depois dos planos feitos dá de cara com nosso velho "eu".

    Nosso eu tão acostumado a velhos caminhos, velhas manias, conhecidas bengalas, aqueles barrancos familiares onde nos apoiamos quando nosso mundinho invariavelmente costuma desmoronar.

    Nosso eu tão satisfeito em apenas pensar, querer e se conformar. Nosso velho eu cheio de neuras, de medos, de preguiças.

    A gente se acostuma com uma vida incompleta. Incompleta, mas conhecida, dominada, confortável em seus vazios. É como uma dor na lombar que a gente nem lembra mais que está ali. Acomodamos o quadril, os velhos problemas, as frustrações de cada dia. Vida que segue.

    Eu tinha um sonho de viajar pelo mundo e falava sobre isso com amigos, com colegas de trabalho, com meus pais. No começo do ano eu vou, dizia para todos. Mas não pesquisava passagens, não definia roteiros, não fazia contas para ver se o sonho cabia em minhas vontades.

    Até que aconteceu uma demissão em massa e eu, que não estava ma lista de demitidos, dei de cara com minha chefe na porta do banheiro, que me ofereceu um acordo. Ela me demitiria, eu levaria uma boladinha, e teria frilas garantidos até minha partida.

    Tive o fim de semana para pensar.

    Na segunda, a proposta se concretizou. Eu teria mais dinheiro para a realização dos meus planos, trabalho até partir e de quebra ainda salvei a pele de um colega que estaria na rua. Tudo certo. Certo?

    Passei a noite no banheiro de casa, abraçada à privada, chorando e vomitando. Colocando pra fora o medo. Expurgando o nervoso. Só o querer já estava bom, pra que mexer nisso? O que eu tanto queria estava ali e eu apavorada com a vida me dizendo "vem".

    Talvez para todo mundo o maior desafio, agora que o calendário zera, não seja encontrar um amor, mudar de emprego, entrar na calça jeans, terminar a monografia, escrever um livro, vender tudo e ir embora, mas encontrar dentro de si a pessoa que a gente sonha em ser quando tem coragem.

    É difícil admitir que a gente tem vontades, mas medos muito maiores. Que desejos, sonhos e planos se multiplicam e entram na fila, cada dia maior, da nossa sala de espera emocional.

    Não é o próximo ano que precisa ser diferente, é você. Ficamos em dívidas com amigos, com pessoas queridas, com parceiros de trabalho, mas sobretudo conosco.

    O ano só será diferente, se você for diferente. Ou isso ou ajeitar a lombar, acomodar problemas, ignorar frustrações, acumular resoluções que nunca serão mais do que intenções platônicas.

    Nenhum ano, coitado, tem culpa do que fazemos com nossa vida. Primeiro, a gente tem que mudar, e só, então, fazer a listinha do que queremos que seja diferente.

    Desejo a todos um tantão de coisas boas em 2016. E obrigada por mais esse ano :-)

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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