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    Mariliz Pereira Jorge

    Neymar tem que ser negro?

    09/01/2016 02h00

    E lá se vão cinco anos desde que Neymar disse em uma entrevista que nunca havia sofrido racismo. "Nem dentro nem fora do campo. Até porque não sou negro."

    De lá para cá, não apenas sofreu na pele morena-jambo vários tipos de ataque, como é possível que a certeza em relação a sua cor, proferida aos 18 anos, tenha virado uma questão. Mas isso só deveria dizer respeito a ele.

    Tanto faz se Neymar é negro, branco, amarelo ou azul klein. Ele deveria ser respeitado tanto por sua autodeclaração ("não sou negro"), quanto pela decisão de ignorar idiotas quando estes se pronunciam.

    É importante e essencial que a questão do racismo tenha caras e vozes atuantes. Mais importante é que sejam voluntárias e espontâneas. Ninguém deveria ser obrigado a se posicionar apenas porque terceiros acham que sim.

    No último jogo contra o Espanyol, meia dúzia de torcedores do time fizeram sons de macaco para provocar o camisa 11 e Daniel Alves. Neymar disse que não ouviu, ainda que a TV mostre bem a imagem e o barulho feito pelos torcedores.

    Talvez não tenha ouvido mesmo. Ou tenha ignorado a provocação. O que disse, no passado, que faria.

    Em 2011, um ano após ter afirmado que não era negro, ele jogava pela seleção, em Londres, contra a Escócia. Uma banana foi atirada em campo e o jogador disse que "este clima de racismo é triste. Prefiro nem tocar no assunto para não virar uma bola de neve".

    Talvez ali Neymar tenha dado de cara pela primeira vez com o racismo. Talvez ali, pela primeira vez, tenha pensado em sua cor pelo racismo que sofreu.

    Patrulhas ideológicas, movimentos sociais, fiscalizadores de traseiro alheio acham que Neymar deveria se posicionar em relação ao preconceito, ao racismo, e assumir sua cor que, para muitos não deixa dúvida, é negra.

    Mas ele tem se posicionado quando acha que deve. Ao postar uma foto com uma banana na mão, fica claríssimo de que lado ele está.

    A campanha "Somos todos macacos", orquestrada por uma agência de publicidade, surtiu o efeito esperado, o apoio ao jogador Daniel Alves, que comeu a banana atirada por um torcedor num jogo entre o Barcelona e o Villarreal.

    O episódio com os torcedores do Espanyol não é inédito. Aconteceu em março de 2014 e, novamente, em abril de 2015. No episódio mais recente, uma mensagem no telão do jogo avisava: "A legislação para a prevenção da violência no esporte proíbe a participação em atos violentos, xenofóbicos, homofóbicos e racistas. "

    Neymar pode não ter visto e não tem obrigação de falar sobre o episódio. Quem tem que fiscalizar e punir os torcedores do Espanyol envolvidos é a Liga Espanhola, afinal, há legislação para isso.

    É um absurdo que episódios de racismo ainda aconteçam um mês sim, outro não em jogos de futebol. Mas é ainda mais absurdo que haja uma cobrança de que pessoas públicas tomem partido. É como querer que gays saiam do armário na marra apenas porque é o esperado.

    Neymar disse que não é negro. Tampouco disse que é branco. Se Neymar não puder ser da cor que ele se vê, quem ganha são os idiotas. Estejam eles do lado certo ou do errado do preconceito. Cada vez que a pauta racista ganha espaço por causa de meia dúzia de imbecis, o racismo comemora um gol.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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